Imerso em críticas de diferentes lados, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem sido alvo de articulações políticas que visam denunciar a inépcia do governo Bolsonaro. Desde as críticas anteriores relacionadas às queimadas e ao desmatamento na Amazônia, até o pedido de criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para tratar do vazamento de óleo no Nordeste, Salles é hoje um dos principais destinos das críticas dirigidas ao Executivo.
A oposição ao ministro ganhou musculatura especialmente após o vazamento, que se desenrola desde o final de agosto e afeta 92 municípios, com um total de 254 localidades atingidas. Os dados são do último boletim oficial do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), atualizado no domingo (27) à noite.
Nesta segunda (28), em reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, a coordenadora de Emergências Ambientais do órgão, Fernanda Pirillo, afirmou ainda não ser possível prever o fim do problema, que hoje mobiliza cerca de 130 agentes do instituto em áreas atingidas.
A gravidade da questão impulsionou, nas últimas semanas, os movimentos da oposição no Congresso Nacional. Na última quarta (23), foi apresentado, na Câmara dos Deputados, um pedido formal para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a origem do vazamento, avaliar a conduta do governo e apresentar propostas legislativas sobre o tema – a ideia é endurecer a postura do Estado diante desse tipo de incidente.
Apresentado pelo deputado João Campos (PSB-PE), o pedido contou com a assinatura de 250 parlamentares, incluindo governistas, como é o caso dos deputados Carla Zambelli (PSL-SP) e Luiz Lima (PSL-RJ), do partido de Bolsonaro. De caráter temporário, as CPIs têm prazo de 120 dias, que pode ser estendido por mais dois meses, e detêm poder de polícia, podendo determinar diligências, ouvir indiciados, etc.
Dentro desse intervalo de tempo, a tendência é que os opositores consigam escrutinar o trabalho de Salles e do governo.
“Se ela for a fundo e investigar também o grau de responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, essa CPI pode ter consequências e um processo de responsabilização ou até de impeachment, porque o que a gente tem percebido é que se demorou a acionar o plano de contingência (1:50)”, afirmou o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, Nilto Tatto (PT-SP), em entrevista ao Brasil de Fato.
Atualmente, o vazamento ultrapassa a marca dos 2 mil km de extensão, atingindo a fauna e a flora do litoral nordestino e provocando impactos econômicos e sociais. É o caso dos prejuízos para o turismo e para as populações que sobrevivem do ambiente marinho, incluindo pescadores, marisqueiras e outros.
A ressonância do problema levou também à criação, a pedido de deputados da bancada nordestina, de uma comissão parlamentar externa para acompanhar os desdobramentos do caso nas regiões atingidas pelas manchas de óleo. Todas essas ações antigovernistas, juntas, ajudam a emparedar o ministro.
Em paralelo, cresce a impopularidade de Salles e do governo Bolsonaro, este alvo de denúncias de corrupção, dificuldade de articulação política, entre outras críticas. Para o analista político Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), não é possível dissociar as duas coisas.
“Se, isoladamente, a crise fosse só da pasta, aí se substituiria ele [Salles] e pronto, mas não é simplesmente a crise da pasta. Há uma crise sistêmica do governo Bolsonaro, que não consegue articular políticas públicas e apoio no Congresso Nacional pra se estabilizar do ponto de vista da gestão”, analisa.
Em manifestação oficial à imprensa, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) disse recentemente que estaria “tomando todas as medidas para a identificação, o recolhimento e a destinação do óleo”, além de ter iniciado uma investigação para averiguar a origem do problema.
O discurso, no entanto, não tem convencido parlamentares de oposição, ONGs e outros especialistas, que acusam o governo de inoperância diante do vazamento. A principal reclamação diz respeito ao fato de o MMA ter acionado o Plano Nacional de Contingência (PNC) – utilizado para o enfrentamento de casos de vazamento de óleo – somente 41 dias após o surgimento da primeira mancha no litoral nordestino.
Contribuem ainda para um avanço da impopularidade do ministro os destaques dados ao tema pela imprensa internacional, que abordou o assunto em diferentes manchetes em países como Estados Unidos, Argentina, Suécia, França e Irã.
Sistema de Justiça
No âmbito do sistema de Justiça, também houve reação. Na ultima sexta (25), o Ministério Público de Contas, por meio do subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, pediu à presidência do Tribunal de Contas da União (TCU) a abertura de uma fiscalização para apurar a postura da gestão Bolsonaro diante do vazamento. No pedido, Furtado chegou a dizer que "o que se tem visto de parte das autoridades federais é que, aparentemente, quedaram desorientadas ou inertes".
Outras iniciativas surgiram para se somar aos pesadelos do ministro. A bancada do Psol na Câmara dos Deputados, por exemplo, anunciou que vai ingressar, esta semana, com uma ação popular na Justiça Federal em Brasília para pedir o afastamento de Salles. O partido acusa o mandatário de improbidade por conta da conduta diante do derramamento de óleo.
“Nós Tivemos não só uma negligência, uma omissão, mas uma postura gravíssima e irresponsável do governo. O que ele faz é uma cruzada ideológica, e não uma investigação séria sobre o vazamento e uma atuação séria pra conter essa contaminação de óleo. Nada mais urgente e necessário pra proteção ambiental brasileira que o ministro ser afastado. Isso é uma questão muito clara pra nós”, afirma a deputada Fernanda Melchiona (Psol-RS), vice-líder da bancada e integrante da Comissão de Meio Ambiente da Câmara.
A Justiça Federal respondeu a algumas ações que miram o governo. Foram expedidas, por exemplo, no último dia 21, liminares em Pernambuco e Alagoas determinando que a União e o Ibama adotassem providências imediatas para conter o óleo.
Críticas relacionadas a outras pautas também compõem o cenário de crise da gestão de Salles, como é o caso da ampliação do desmatamento na Amazônia. Em agosto, por exemplo, um grupo formado por 51 organizações não governamentais (ONGs) ingressou com uma representação contra o mandatário na Procuradoria-Geral da República (PGR) e na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgãos do Ministério Público Federal (MPF). As entidades pedem providências e acusam o ministro de omissão diante do problema.
Afundado em problemas, o ministro deverá ter de lidar ainda com a Proposta de Fiscalização e Controle (PFC) das ações do MMA e das autarquias ligadas à pasta, autorizada na última quarta (23) pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara, que aprovou relatório da deputada Fernanda Melchiona sobre o tema. A ideia é analisar a atuação de Salles e subordinados diante das queimadas na Amazônia. Se o colegiado entender que houve negligência no caso, a CPI pode pedir o afastamento dele ao Ministério Público por crime de responsabilidade.
Partido Novo
Publicamente, o ministro enfrenta dificuldades inclusive com o Partido Novo, ao qual é filiado, apesar de ser distante da cúpula da sigla. No último sábado, em meio ao contexto de aprofundamento da crise política e ambiental, o presidente da legenda, João Amoêdo, disse que Salles não compõe a “equipe do Novo”.
“Ele é um filiado como um dos 40 mil filiados que a gente tem. O Novo não tem nenhuma ingerência na pauta do meio ambiente, nenhuma ingerência na atuação dele, e a gente não tem com ele nenhum vínculo como a gente tem com os mandatários. Ele não é da equipe do Novo. É só um filiado”, afirmou Amoêdo, numa declaração que sem soma a outras atitudes anteriores de membros do partido diante do mandatário.
Em agosto deste ano, por exemplo, um grupo de filiados recorreu ao diretório nacional da sigla para pedir que o ministro fosse suspenso da legenda. A representação afirmava, entre outras coisas, que Salles estaria atuando “com absoluta irresponsabilidade”, “desdenhando de dados científicos” e “revogando políticas públicas sem qualquer debate prévio”.
“Sempre que um partido tenta se distanciar ou alguns políticos tentam se distanciar de alguém ou de algum governo, é porque a popularidade da pessoa está em baixa. Em última instância, um político, como agente racional, depende de voto, então, o índice de popularidade pesa muito na hora do comportamento desses atores. Não é à toa que uma pessoa decide não disputar uma reeleição a partir do momento em que a popularidade dela está baixa”, analisa Rafael Moreira, doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo (USP).
Apesar de ter como principal característica a pauta do neoliberalismo, agenda que confronta as demandas ambientais, o Novo tenta se descolar da imagem do ministro já há algum tempo. Ainda em dezembro de 2018, antes mesmo do início da gestão Bolsonaro, a figura de Salles já teria causado desconforto dentro do partido por conta da condenação do político pela Justiça de São Paulo.
Ele é acusado de improbidade administrativa por supostamente ter fraudado, em 2016, mapas relacionados ao plano de manejo de uma área de proteção ambiental do rio Tietê. A medida teria sido tomada com o objetivo de favorecer empresas de mineração. Na época, Salles atuava como secretário estadual de Meio Ambiente. Ele nega as acusações e atualmente recorre da decisão.
Tema sensível
Um dos destaques do caldeirão de problemas que circundam o ministro é o engajamento de diferentes setores da classe média e de artistas contra as medidas da gestão.
Os problemas relacionados ao vazamento de óleo, ao desmatamento, entre outros, ajudam a estremecer ainda mais a sustentação política de Salles, já polêmica antes mesmo de sua nomeação, porque a agenda ambiental é considerada, na atualidade, um elemento de peso político.
“É um tema sensível no mundo, não só no Brasil. O que aconteceu com a Amazônia demonstra isso. O meio ambiente não é uma questão isolada. Ela é importante, e o mundo está de olho nisso, inclusive porque problemas ambientais num país importante como o Brasil causam problema em outros lugares. É uma pauta muito relevante, embora a gestão Bolsonaro pareça não entender isso, por meio do seu ministro, que, com as características do governo, prefere o confronto do que o diálogo com esses atores”, afirma Marcos Verlaine, ao lembrar os ataques de Bolsonaro à Venezuela e ao Greenpeace por supostas responsabilidade no caso do vazamento.
“Isso é algo que chama a atenção de muitos setores não só pelo impacto econômico, mas também pela sensibilidade, e não só pelas pessoas, mas por conta das outras formas de vida, dos animais. É um tema caro pra amplos setores hoje. É uma agenda que pode ser um grande fator de mobilização frente ao conjunto de retrocessos que estão aí”, acredita Nilto Tatto.
Ruas
Os segmentos populares também têm se manifestado de diferentes formas contra as políticas do ministro do Meio Ambiente. As iniciativas vão desde mobilizações via redes sociais até protestos de rua. Na última quarta (23), por exemplo, ativistas do Greenpeace realizaram um ato político na porta do Palácio do Planalto, em Brasília (DF), contra a postura do governo diante do vazamento de óleo.
O protesto incomodou a gestão Bolsonaro e levou à detenção de 19 militantes, que, após o incidente, terminaram sendo liberados pela polícia por falta de uma acusação de ordem formal.
Para Fernanda Melchiona, o elemento que mais deve contar para uma maior fragilização política de Salles são as manifestações populares, que, para a deputada, podem ajudar os opositores do parlamento a derrubarem o ministro.
“Embora a gente tome ações jurídicas, a gente sabe que é na luta política e nas ruas que as coisas se definem. Então, são muito importantes as mobilizações que a juventude fez em defesa da Amazônia, a mobilização das entidades ambientais e dos indígenas sobre o avanço da mineração nas suas terras, entre outras coisas, pra que a gente possa de fato derrotá-lo.”
Edição: Rodrigo Chagas