O impacto provocado por grandes obras na vida de toda a população – e não apenas das comunidades afetadas diretamente – foi um dos pontos de debate no primeiro dos dois dias do “Encontro dos Atingidos e Atingidas da Amazônia”, evento organizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém.
As mesas contam com a presença de impactados dos nove estados da região amazônica, que relatam as lutas para permanecer nos territórios ou conseguir as devidas mitigações.
Na mesa denominada “As obras de barragens e violações dos direitos humanos das populações atingidas”, a antropóloga, Sônia Magalhães, docente da UFPA, falou sobre a dimensão dos impactos das grandes obras.
“O grande projeto não é isolável em si. Essa noção de atingido, ela depende da força política da sociedade de fazer reconhecer o efeito, porque esses efeitos eles não são dados a priori, eles não são controláveis e eles dependem da correlação de forças social. Então, isso pode ou se estender muito ou ser reduzido de forma que na prática o que nós temos são resultados de disputas políticas, de lutas dos movimentos sociais, de todos os expropriados que conseguem fazer valer, fazer crer na arena pública o que eles viveram, o que eles experienciaram”, disse.
A professora explica que atualmente se trabalha com dois conceitos de atingidos: pessoas deslocadas, expulsas dos seus territórios; e pessoas que sofrem deslocamento “in vitro”, que são as que permanecem nos seus territórios, mas o território não é mais o mesmo.
Ela citou o caso de um homem afetado pela construção da hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, no final dos anos 80, mas só foi reconhecido como atingido três décadas depois.
“Nunca foi reconhecido a existência de atingidos em Balbina, Balbina sempre foi reconhecido como um grande desastre ambiental e, agora, ele consegue chegar na arena pública e dizer: ‘Lá também tem atingidos, nós somos atingidos’. É essa violência do próprio grande projeto que impede que você tenha uma concretude para eles, então, não tem. O que a gente tem é uma disputa, o MAB, por exemplo, mas também outros movimentos de expropriados fazendo valer e cada vez mais chamando a atenção para o alargamento do que é atingido”, afirmou.
Política Nacional
Na luta pelos direitos das pessoas atingidas por grandes obras, o movimento obteve uma vitória em junho desse ano, quando a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2788/19, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB).
“A aprovação é uma grande conquista das populações atingidas. A gente sabe também que o que sensibilizou essa conquista foram os crimes da Vale, tanto em Mariana quanto em Brumadinho. Isso é uma pena, porque teve que acontecer tudo isso, a morte de centenas de pessoas para que os deputados pudessem se sensibilizar”, afirma Jackson Dias, da direção do MAB.
Para entrar em vigor, a PNAB precisa ainda ser aprovada no Senado e receber a sanção presidencial.
Elisa Estronioli, também do movimento, teme que, passada a comoção gerada por Mariana e Brumadinho, o projeto seja desfigurado.
“Sabemos a realidade desse congresso que está aí hoje. Setores conservadores e reacionários comprometidos com o capital que estão lá dentro. Então, a partir do momento que o projeto foi para o Senado, ele ainda não foi colocado para ser votado, correndo o risco de ser totalmente desfigurado e perder a sua essência de resguardar o direito dos atingidos”.
Mulheres na luta
No início da tarde de terça-feira (29) foi realidade uma mesa intitulada “Os projetos do capital em expansão na Amazônia e as consequências para o povo”, composto por lideranças femininas.
“É até novo nos movimentos sociais terem mulheres falando sobre esses temas. Geralmente, a gente fala sobre as outras lutas das mulheres, mas é importante. É bonito e importante ver que as mulheres estão debatendo essas questões estruturais, do movimento e da conjuntura. O encontro como um todo vai ser um momento de escuta de partilha de experiências de todos os atingidos. O objetivo principal é que os atingidos conversem”, afirma Jaqueline Damasceno, do MAB de Marabá.
Edição: Rodrigo Chagas