No último dia 16, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a venda de 41 terrenos do município para a iniciativa privada. As áreas à venda, segundo a lei, deveriam estar desocupadas ou subutilizadas. Porém, na lista encontram-se escolas de ensino infantil e fundamental, prédio tombado como patrimônio histórico, centro de acolhida de idosos e parques públicos.
Uma das áreas a venda é a Chácara Lane, localizada na rua da Consolação, onde funciona a Escola Municipal de Ensino Infantil (EMEI) Gabriel Prestes, referência em práticas de educação integral e que atende 210 crianças entre 4 e 6 anos.
“Ficamos sabendo no dia em que estávamos recebendo um prêmio pelo nosso trabalho de território educativo. Não houve nenhum comunicado oficial da prefeitura. Uma amiga me enviou a imagem em que constava a Chácara Lane na lista de terrenos à venda, e na sequência começamos a mobilizar as famílias”, conta o diretor João Kleber de Santana Souza.
Após uma primeira manifestação realizada em frente à prefeitura, no dia 19, a comunidade recebeu uma garantia da retirada do terreno da lista, por meio de comunicação com o assessor do prefeito, Cury Neto. Porém, no dia seguinte, a medida foi sancionada pelo prefeito Bruno Covas (PSDB).
“Foi bem agressivo para nós, muito rápido. Entre a apresentação da proposta, a aprovação da Câmara e a sanção do prefeito, foram três dias. Na própria Câmara, os vereadores tiveram 40 minutos para a apreciação do projeto, e a votação durou 3 minutos.” relembra o diretor.
A rapidez com que a lei foi aprovada foi questionada também por parlamentares, já que um projeto substitutivo acrescentando 36 novas áreas à lista foi apresentado apenas duas horas antes da votação pelo presidente do governo na Câmara, Fábio Riva (PSDB). “Nós não tivemos nem tempo de saber quais eram os imóveis: a lista apareceu em cima da hora. Nós fizemos a obstrução, denunciamos a forma com que o governo tratou isso, e entramos com uma proposta de emenda para que as escolas sejam excluídas da lista de terrenos à venda”. afirma o vereador Celso Giannazi (PSOL).
Como forma de pressionar o compromisso do prefeito com retirada das escolas da lei, a comunidade escolar realizou nova manifestação no último dia 29 no próprio espaço da Gabriel Prestes.
Cerca de 50 professores, crianças e familiares abraçaram o prédio em defesa simbólica da escola. Presente na manifestação, Viviane Medeiros Alencar, estagiária e mãe de aluna, afirmou que a escola é uma das melhores que conhece. “A escola é linda. Minha filha adora estudar aqui e os professores são ótimo. Quando ficamos sabendo, foi um baque. Eu não entendo por que uma coisa que está funcionando perfeitamente, tem um público, simplesmente eles querem vender? Não é cabível”
Para a conselheira tutelar Fernanda Abreu da Silva, o direito das crianças está em risco. “Estamos aqui para questionar o governo sobre a venda da escola, uma escola pública, que atende crianças de primeira infância. Temos que pensar sobre os direitos dessas crianças. Vendendo esse terreno, para onde elas vão?”, questiona.
Território em disputa
Com mais de 60 anos, não é a primeira vez que a Gabriel Prestes sofre esse tipo de ameaça. A primeira foi em 1999, durante o governo Celso Pitta, quando o terreno foi cedido para Universidade Presbiteriana Mackenzie. Após mobilização da comunidade, a escola foi reaberta, em 2001.
Em 2015, houve nova demonstração de interesse da universidade pelo terreno. Segundo a ex-coordenadora pedagógica Naime Andrea da Silva, a luta pelo terreno tornou-se histórica. “Eu fiquei bem chocada, mas não surpresa. Porque há 19 anos a gente corre esse risco. E, desde a última ameaça, fizemos um pacto em defesa dessa escola. Por isso, professores e funcionários de outras escolas estamos juntos, em defesa da Gabriel Prestes, que é uma das referências de escola integral na cidade”, ressalta.
Em um folheto institucional impresso pela Mackenzie, todos os prédios da universidade são identificados no quarteirão e não há menção à presença da escola vizinha.
Na lista dos territórios disponíveis para venda à iniciativa privada, consta ainda a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Professora Maria Antonieta D’Alkimin Bastos, localizada na Vila Olímpia, que atende 524 alunos. Ela também encontra-se em território de interesse de especulação imobiliária, por ser vizinha à Universidade Anhembi Morumbi.
“Todos os imóveis desse projeto de lei fazem parte de um projeto de entrega do patrimônio público, de privatização, do governo de João Doria [PSDB] e Bruno Covas. Está muito claro isso. Há em marcha, no município e no estado de São Paulo, um projeto de Estado mínimo, que tira o direito de serviços da população que mais precisa”, enfatiza o vereador Celso Giannazi, do PSOL.
A medida que permite a venda de terrenos municipais faz parte do Plano Municipal de Desestatização do governo Covas, que prevê também a venda e concessão de parques e mercados municipais, complexos esportivos como Pacaembu e Interlagos, além de cemitérios e sistemas funerários.
Pedido de revogação
Buscando garantir a continuidade das escolas nos terrenos em que estão, a vereadora Juliana Cardoso (PT) e Giannazi entraram com uma proposta de emenda parlamentar propondo a retirada das escolas da lei.
“Nosso entendimento é que a única forma de nos dar tranquilidade é revogando essa autorização de venda. O prefeito muda, secretário muda. Nesse momento a escola os terrenos estão com autorização, inclusive com preço, então precisamos garantir que as duas escolas sejam formalmente excluídas da lei” afirma o diretor.
As mobilizações em defesa das escolas continuam. A proposta de retirada das escolas da lista não entrou em pauta.
Edição: Daniel Giovanaz