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Para que servem as taxas que os moradores pagam nas ocupações de moradia?

Sem essa contribuição, não seria possível garantir segurança e manutenção dos edifícios

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Ocupação 9 de Julho é uma das referências da luta por moradia em São Paulo
Ocupação 9 de Julho é uma das referências da luta por moradia em São Paulo - Pedro Stropasolas

Depois de 108 dias presa sem provas, a militante do Movimento Sem Teto do Centro de São Paulo (MSTC), Preta Ferreira, foi solta no último dia 10 de outubro. Ela e outras oito pessoas, incluindo a mãe, Carmen Ferreira, foram acusadas de cobranças de taxas indevidas de moradores das ocupações e enriquecimento ilegal. A denúncia que baseia a investigação foi feita a partir de uma carta anônima.

A perseguição política e jurídica a lideranças da luta pela moradia, segundo os militantes, parte de uma incompreensão sobre a importância da cobrança de mensalidades aos moradores.

“Se não fosse essa contribuição, nós não conseguiríamos nada. Temos alarme de incêndio, extintores, que sempre tem que estar fazendo a troca, todo ano. E muitas outras coisas, como manutenção hidráulica e elétrica”, enumera Tatiana Rodrigues, coordenadora da Ocupação 9 de julho, no bairro Bela Vista. 

O edifício, antiga sede do INSS, foi ocupado em 1997 após passar 20 anos abandonado. O pedido de reintegração de posse foi extinto pela 14ª Vara Cível Federal de São Paulo no dia 15 de julho deste ano. Hoje, o prédio é o lar de 124 famílias -- cerca de 500 pessoas -- e se tornou um símbolo da luta por moradia no centro de São Paulo. 

“A grande maioria das pessoas aqui na ocupação são mulheres, mães solteiras, negras, jovens, idosos. E não temos crianças fora da escola. Todas as crianças devem estar matriculadas”, revela a coordenadora. 

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Os serviços no edifício incluem cozinha e horta comunitária, mantidas graças a colaboradores e ativistas que se mobilizam junto a MSTC e à mensalidade de R$ 220,00 paga pelos moradores. A contribuição também é destinada para reformas, gastos com segurança e manutenção dos espaços coletivos e culturais. Atualmente, todas as instalações elétricas no imóvel foram refeitas. Além disso, há uma brigada de incêndio treinada e laudos de segurança e vistoria do edifício.

Roseclaire Bento de Lima, militante do MSTC e moradora da ocupação, explica que o esforço militante não substitui a ajuda mensal dos moradores, que é indispensável para a manutenção do espaço.

“Nós ocupamos um prédio que não tinha função social nenhuma. Estamos aqui porque nós não temos moradia, e nós temos esse direito. Então, é mais que justo a gente contribuir, sim. Se hoje a gente tem luz, se hoje nós temos água dentro dos quartos, se hoje nós temos uma cozinha maravilhosa, é porque nós contribuímos. Nós temos apoiadores, sim, mas nada é com dinheiro”, afirma. 

A rotina do edifício não conta com a presença de Carmen Ferreira, principal liderança do MSTC, que, por ordem judicial, está proibida de comparecer ao local -- onde passou a morar em meados dos anos 1990. Em agosto, Carmen foi absolvida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) com acusações semelhantes às que fizeram a filha, Preta Ferreira, ser detida.

O afastamento de Carmen é sentido na 9 de julho. A baiana é uma referência para todos no local. Além disso, sua estratégia para reduzir o déficit habitacional em São Paulo e gerir as ocupações é reconhecida pela sociedade civil e por especialistas de todo o mundo.  

"A gente não deixou a tristeza nos tomar, a gente ficou ainda mais na luta. Foi nessa resistência, nesse encorajamento de buscar a liberdade delas, que eu me tornei uma grande mulher, com um grande empoderamento de lutar ainda mais pelos meus direitos e pelos direitos de moradia", revela Kellen Ferreira, filha caçula de Carmen, que passou a viver na ocupação após as acusações.

Além da 9 de Julho, o MSTC organiza mais quatro ocupações no centro de São Paulo. Ao todo, são cerca de 5 mil associados, sendo que 2 mil membros já foram contemplados com casa própria.

A moradora Dulce Perske ressalta a importância da presença de um movimento social nas ocupações, principalmente pelo o acesso a políticas públicas -- que não envolvem só direito à moradia. 

“O trabalho que esse movimento faz é muito intenso, muito grande. É na saúde, na educação, é buscar as famílias, organizar as famílias”, enfatiza a trabalhadora, que vive com as duas filhas e as duas netas na ocupação.

Conforme dados da Secretaria Municipal da Habitação, em São Paulo há 206 ocupações, sendo 53 na região central. O últimos Plano Municipal de Habitação, de 2016, revela que a cidade de São Paulo tem 1.385 imóveis ociosos, sem função social. Além disso, o déficit habitacional chega a 358 mil novas moradias.

A política do movimento é de manter as portas sempre abertas a visitantes que desejam conhecer e fortalecer a luta por moradia. “Sem um movimento social organizado, eu acredito que o pobre não consegue mais uma vida digna, ou uma moradia digna”, conclui Perske. 

Edição: Daniel Giovanaz