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Mais Brasil: o assassinato do capítulo econômico da Constituição Federal de 1988

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Ministro da Economia, Paulo Guedes.
Ministro da Economia, Paulo Guedes. - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Despesa financeira é a única parte do orçamento da União que não está congelada

Você deve estar sendo bombardeado de notícias referentes ao Plano Econômico encaminhado pelo Presidente da República Jair Bolsonaro e sua equipe econômica ao Congresso Nacional. Afinal, o que significa esse Plano? Tentarei aqui traçar dois caminhos.

O primeiro deles é dialogar sobre o equívoco da premissa do diagnóstico que sustenta esse plano: credita o gasto público e os servidores públicos como os grandes vilões da crise econômica. 

Em segundo lugar, vou tentar avaliar as possíveis consequências – de curto e longo prazo – desse pacote de medidas, que é uma verdadeira afronta ao pacto social edificado na Constituição Federal de 1988, especialmente no capítulo econômico e social da Carta.

Em primeiro lugar, o que move um sistema econômico é o gasto. O gasto de um é a receita do outro. Se um não gasta o outro não arrecada, e se não arrecada ele também não gasta. Obviamente que isso seria um equívoco se aplicado às nossas vidas. Mesmo que eu compreenda a importância do gasto, eu não vou sair comprando e me endividando para tentar aquecer o mercado de consumo. 

No entanto, o orçamento doméstico em nada tem a ver com o orçamento do Estado. Diferentemente das famílias, o Estado – como o brasileiro que tem soberania monetária, ou seja, emite a própria moeda – tem possibilidade de planejar o quanto ele gasta, mas, também, o quanto ele arrecada, fazendo isso via mudanças na tributação. 

Se o Estado concede um benefício assistencial a uma família pobre, ela o transformará em consumo. Esse dinheiro voltará aos cofres públicos.

Além disso, o gasto do Estado tem um forte componente “multiplicado” que não ocorre no gasto nem das famílias nem das empresas. Ou seja, se o Estado concede um benefício assistencial a uma família pobre, ela transformará esse benefício em consumo, e – como a tributação brasileira é maior sobre o consumo – esse dinheiro voltará aos cofres públicos.

Assim, eu queria argumentar que a premissa que sustenta os argumentos em torno da necessidade de redução do gasto público está completamente equivocada. 

O problema da crise fiscal não é o gasto. É a queda da arrecadação.

Em primeiro lugar porque o problema da crise fiscal não é o gasto, mas a queda da arrecadação. Em segundo porque, ao cortar gastos, você dificulta ainda mais a arrecadação, fazendo o problema só aumentar!

Desde 2014 – principalmente desde 2015 –, o Estado tem gastado mais do que arrecada, justamente quando começaram as políticas de ajuste fiscal. Ou seja, na prática o corte/congelamento/contingenciamento de gastos não tem apresentado resultados positivos.

Além disso, se engana quem acha que os servidores públicos são os vilões. Segundo um estudo do Dieese, o número de servidores públicos em relação à população brasileira está abaixo do verificado em muitos países desenvolvidos. 

Além disso, a maior parte dos funcionários públicos (57%) recebem salários que estão concentrados na faixa de até 4 salários mínimos, ou seja, R$ 3.816,00 (2018). No serviço público municipal esse percentual chega a 73%, onde estão concentrados 56% dos servidores estatutários do Brasil.

A proposta do Plano de Paulo Guedes e Bolsonaro busca, em síntese, diminuir drasticamente o gasto público nas despesas sociais; construir um “gatilho” que impede a realização de concursos públicos, reajustes de salários, criação de novos cargos; além de reduzir a jornada dos servidores com redução de salários. Os serviços públicos serão ainda mais sucateados, com redução do pessoal ocupado.

O plano ainda culpa o orçamento do Estado de ser muito “engessado” obrigando percentuais mínimos para rubricas como saúde e educação. Para isso, a fórmula do governo é “desvincular” e “desindexar” as receitas do Estado para essas áreas. 

Uma verdadeira afronta ao pacto político da nova República, que tinha como premissa a garantia do rendimento real dos direitos sociais independentemente de governos, preservando um orçamento próprio para essas finalidades.

Por fim, consta no projeto que toda a arrecadação excede e todo o superávit fiscal irá para pagar a dívida pública, além do dinheiro dos mais de 200 fundos públicos hoje existentes. 

Ou seja, a única parte do orçamento da União que não está “congelada” é, justamente, a despesa financeira. Essa sim é uma política exitosa de transferência de renda, tira dos mais pobres para engordar o bolso dos mais ricos.

Barrar esse projeto é a única opção que temos para seguir tendo condições de utilizar a política econômica e o gasto social para redistribuir renda, fortalecer nossa infraestrutura, consolidar os serviços públicos e sonhar com um Brasil mais justo e igualitário.

 

Edição: Katarine Flor