Coluna

O desafio de reverter o desmonte da soberania nacional

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O debate deve ser enfrentado, não só na elaboração de um programa político, como na construção de um projeto par
O debate deve ser enfrentado, não só na elaboração de um programa político, como na construção de um projeto par - Mandel Ngan/ AFP
Há três pontos fundamentais cuja reversão nos impõe uma estratégia desafiadora

A implementação do programa que unificou as várias frações burguesas em torno do golpe, embora iniciada com o governo de Michel Temer (MDB), ganhou velocidade e profundidade ao se legitimar na vitória de Jair Bolsonaro (PSL).

Incidindo simultaneamente no desmonte das bases nacionais, algumas de suas medidas representam perdas que obrigatoriamente terão que ser revertidas para uma futura retomada de um projeto de país.  

Tentemos delimitar três questões que comprometem a soberania nacional, cuja reversão nos impõe uma estratégia distinta e desafiadora. 

Iniciemos pela autonomia do Banco Central (Bacen). Suas funções consistem na regulação da estabilidade da moeda, por meio do controle de taxas de juros e de câmbio, por exemplo. Porém, além disso, ele também atua como uma agência reguladora dos demais bancos, fornecendo créditos, fiscalizando e intervindo em decisões.

Retirar o Bacen das margens do Poder Executivo implica em impossibilitar que novos governos possam gerir a política econômica. Consequentemente a blindagem jurídica às regras neoliberais ganha um novo patamar. Uma eventual medida legislativa que proponha reverter a autonomia será certamente combatida com mecanismos extremamente poderosos para a desestabilização. 

No caso de uma economia de porte continental, como a nossa, com extraordinária dotação de fatores de produção e potencial de mercado domestico, retirar uma ferramenta que controla a moeda, compromete qualquer política de desenvolvimento. 

Recordemos que a luta pela redistribuição de quotas e de poder de voto no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial foi abandonada, desde o golpe, ante à lógica de alinhamento incondicional com os interesses estadunidenses, reduzindo ainda mais a possibilidade de enfrentar o receituário desses órgãos.

A segunda questão que compromete nossa construção de país é a entrega das jazidas de petróleo. Os mais de 15 bilhões de barris de óleo do Pré-Sal leiloados, ampliando o risco ambiental de serem explorados de forma predatória, representam uma riqueza decisiva para enfrentar nossos problemas históricos na saúde, educação e habitação. 

Estudos divulgados pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), apontam que  o Brasil perderá o equivalente a R$ 1,2 trilhão, o que equivale a quase 20% do PIB de 2018.

A terceira questão que terá que ser revertida é a Base de Alcântara. É certo que pela atual versão do acordo, ficou especificado que Alcântara é uma base brasileira da Aeronáutica. Porem, segundo o chamado Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), durante as atividades de lançamento haverá condições especiais de movimentação pela base.

As regras do AST especificam que haverá áreas restritas e controladas. Nas primeiras, o acesso será monitorado pelos EUA. Nas áreas controladas, a presença será definida conjuntamente pelos dois governos e monitorada pelo Brasil. 

Além disso, o texto proíbe o país de fazer acordos de lançamentos com nações que não sejam signatárias do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis [MTCR, na sigla em inglês], como a China, por exemplo.

Porém, o problema maior é o precedente de possibilitar a presença, ainda que nesse momento com finalidades especificadas, da potência estadunidense. 

Não é um problema menor. Os Estados Unidos possuem mais de 700 bases militares terrestres fora de seu território nacional nos mais diversos países, em muitas das quais instalaram armas nucleares e sistemas de escuta da National Security Agency (NSA). Em diversos casos o pretexto para entreabrir a porta foram acordos de parceria tecnológica. 

São três questões que comprometem nosso futuro e nos obrigam a adequar nossa estratégia para enfrentá-las. Mas, infelizmente não são as únicas. A perda tecnológica num momento em que se vive uma revolução tecnológica é muito grave. Da mesma forma, os desmontes educacionais expandindo o analfabetismo funcional podem comprometer toda uma geração, exigindo um longo tempo para ser reparado.  

Anular questões com tamanho impacto sobre nossa soberania exige uma correlação de forças extremamente favorável conjugada com circunstâncias internacionais que abram tal possibilidade. Desafios difíceis, mas não insuperáveis se forem efetivamente enfrentados no terreno da teoria.

Um debate que deve ser enfrentado, não só na elaboração de um programa político como em qualquer perspectiva de construção de um projeto para o Brasil, sob pena de tornar inócua nossas formulações.   

A sociedade brasileira, construída na adversidade, tem fundamentos suficientemente sólidos para não se deixar desconstruir.  Se após a primeira ofensiva neoliberal (1990-2001), a grande questão era apontar para a construção de um projeto popular pautando a necessidade de romper com o pensamento de curto prazo e retomar o debate estratégico, hoje, esse desafio, com nova qualidade gerada pelo golpe, se converte num pressuposto para retomar a capacidade ideológica de construir-se como alternativa, sob pena de enfrentarmos um período histórico de derrota.

Edição: Rodrigo Chagas