Um relatório elaborado pela Comissão Externa de Barragens da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) afirma que além do Estado não ter "instrumentos eficazes de fiscalização de barragens", a Secretaria de Meio Ambiente (Semas) "omite denúncias contra a Hydro Alunorte".
A mineradora está localizada no município de Barcarena, no nordeste paraense. O documento foi divulgado na última segunda-feira (4) e revela que o Pará possui 99 barragens cadastradas, dessas seis apresentam altos níveis de risco. A análise foi feita no período de 12 de maio a 4 de novembro deste ano.
Além da constatação sobre a insegurança das barragens e a denúncia contra a Semas foram feitas três recomendações. A primeira aponta a necessidade de elaboração de um plano estadual democrático e participativo para enfrentar os impactos socioambientais do setor mineral.
A segunda indica a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para analisar a Compensação Financeira pela Exploração Minerária (CFEM), sua destinação e utilização pelo Estado e municípios. E, por último, recomenda a instalação de outra CPI, dessa vez para investigar a mineração clandestina.
Na apresentação do documento, a deputada Marinor Brito (PSOL) fez questão de enfatizar que o relatório foi construído em parceria com a sociedade e com as pessoas que são atingidas no seu dia a dia pela exploração mineral.
"Em todas as áreas, que fomos vistoriar, tivemos a possibilidade de ouvir os setores organizados da sociedade. Isso trouxe um elemento muito importante para o nosso relatório que é o olhar da sociedade: como ela recebe a mineração e , sobretudo, como a sociedade local, que vive no entorno das barragens, recebe a mineração".
A deputada disse ainda que o documento reuniu denúncias graves, sobretudo, a respeito da mineração clandestina formalizadas por vereadores de Marabá.
Ela destacou, ainda, os graves problemas sociais gerados pela ação e citou o município de Barcarena, atingido pela mineração da Hydro Alunorte. E disse que o avanço do processo minerário - que pode ser comprovado por mapas - está invadindo as comunidades tradicionais, sobretudo, as quilombolas.
"Os mapas que constam no relatório, eles demonstram claramente que a mineração vem entrando cada vez mais para o meio das comunidades. Diferente da fala da mineração, quando ela afirma que essa aproximação é feita pelas as comunidades".
Angela Maria Vieira foi atingida pelo transbordo do depósito de rejeitos da mineradora Hydro Alunorte em fevereiro de 2017. Ela acredita que esse avanço é sentido no dia a dia. A comunidade onde ela mora, Vila Itupanema, foi deslocada para a construção da bacia de rejeitos. Como se não bastasse isso, Angela ainda vive com a contaminação da água e do solo onde mora.
"A gente mora aqui, a gente viu as consequências que nós estamos passando ainda e o que acontece? Nós somos mentirosos, ela faz o que ela quer fazer, porque ela tem dinheiro e a gente não tem”, desabafa Angela.
“Nosso povo continua aqui. Todo mundo doente, adoecendo, morrendo e a água está contaminada. Se não houvesse nada, eles não fariam o que estão fazendo: dando água mineral, porque a empresa nunca ajudou a comunidade. Ela veio dar essa migalha agora depois que aconteceu isso", afirma.
A referência que Dona Angela faz é com relação ao Termo de Ajuste de Conduta (TAC), dos Ministérios Públicos Estadual e Federal. Os documentos determinaram que a empresa mitigasse os danos causados ao povo de Barcarena.
Outro ponto destacado pelo relatório diz respeito ao posicionamento da Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas). Segundo o texto, a Semas "coloca-se ao lado da empresa Hydro Alunorte, como fez a atual gestão, que em menos de um mês de atuação, no dia 17 de janeiro de 2019, emitiu parecer técnico, pelo desembargo da empresa".
O secretário da Semas, Mauro O'de Almeida, disse à agência de notícias do governo do estado, que: "A maior parte do que foi pontuado no relatório está sendo trabalhado pela secretaria antes da entrega do relatório e que seria feito uma análise do que cabe ao estado desenvolver e o que cabe aos outros entes, para que seja articulado o desenvolvimento das ações em conjunto".
A pressão dos movimentos sociais
Jackson Dias, da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), acredita que a realização do relatório é fruto de uma conquista dos movimentos sociais pela pressão realizada com base nos crimes cometidos no Brasil. Ele acredita que, com base no documento, se possa acompanhar mais de perto a exploração mineral.
"O relatório foi muito importante para que os deputados desta comissão pudessem monitorar, avaliar como está a situação das barragens no Estado do Pará. Foi importante também para fazer o levantamento da quantidade, saber quem são as empresas que possuem mais barragens no Estado do Pará”, avalia.
“Por outro lado, para nós, do MAB, é fundamental que o governo do estado acate as três recomendações feitas pela comissão, bem como os outros órgãos, como: a Agência Nacional de Mineração, a própria Alepa para quem foi recomendada a abertura de duas CPIs", diz.
O Brasil tem uma série de crimes ambientais ligados à mineração: Brumadinho, em 2015; Mariana, em janeiro deste ano; o transbordo da bacia da Hydro Alunorte em fevereiro de 2017; entre outros.
Jackson Dias explica que as barragens não estão, apenas, destinadas a serem reservatórios de rejeitos, há barragens que armazenam a água utilizada para o beneficiamento da produção mineral.
"No cadastro da Agência Nacional de Águas (ANA) são aproximadamente 23 mil barragens. A maioria é para reservar água, acumulação de água e são feitos em propriedades rurais por exemplo. Em Altamira, tem barragem que rompeu em 2009 e alagou boa parte da cidade”, avalia.
“Então, tem essas pequenas estruturas de reservatório de água também não é só mineração. Mas, enquanto grandes impactos e danos, Mariana e Brumadinho são os maiores até hoje, mas que têm nesse intermédio a de Barcarena, que não foi um rompimento, mas o transbordo do reservatório de rejeitos deles", afirma.
O crime ambiental de Mariana matou 19 pessoas e o de Brumadinho, 249, sendo que 21 pessoas continuam desaparecidas, isso sem listar a devastação para os municípios e os impactos causados pela lama de rejeitos.
A mineração é a sua própria legislação
Charles Trocate, integrante do Movimento pela soberania Popular da Mineração (MAM), explica que o relatório evidencia um grave problema no Brasil: a mineração é a sua própria legislação.
De acordo com o relatório, a Agência Nacional de Mineração (ANM) "apenas recebe informações repassadas pelos empreendedores". Assim, as informações sobre a segurança não estão disponíveis nem para os atingidos e nem para a sociedade como um todo.
"A prova disso é que a empresa demanda os órgãos públicos e não os órgãos públicos demandam o Estado. Nesse processo, você não tem assistido os direitos das populações - onde, infelizmente, se implementam os grandes investimentos - e nenhum os direitos da natureza - que nós deveríamos chamar assim. A mineração é o desenvolvimento do subdesenvolvimento", pontua.
Trocate diz que das exportações realizadas atualmente no estado do Pará, não há uma compensação nem para o estado e nem para as comunidades afetadas.
Contudo, ele afirma que o relatório chega como um documento positivo, porque, em 40 anos de mineração na Amazônia, é a primeira vez que se tem um documento capaz de provocar efeitos na esfera jurídica e também de mobilização popular.
"Das exportações do Pará que somam-se 52% no aspecto do minério de ferro, eles não pagam absolutamente nada por usar de maneira industrial o nosso território. Ou seja, de 0 a 1.000, a nossa geologia vai embora em forma de ferro, de ouro, de bauxita, de manganês, sem que a empresa compense as regiões e mesmo compense os municípios”, explica.
Edição: Katarine Flor