Antes mesmo da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na última quinta-feira (7), o debate sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância foi marcado por apreensões quanto aos seus possíveis efeitos. Com o julgamento encerrado, mensagens alertando para a soltura imediata de presos "perigosos" voltaram a circular com intensidade, principalmente entre grupos de direita nas redes sociais.
Argumentos semelhantes foram utilizados por ministros do Supremo, no sentido de que a prisão apenas após esgotados todos os recursos – o trânsito em julgado, conforme a Constituição – seria um "gerador de impunidade".
Essas visões, mesmo com as diferenças entre si, se baseiam em impressões que até o momento não se mostraram concretas. Instantes após o encerramento do julgamento de quinta-feira, já estava claro que a decisão do Supremo não colocaria automaticamente os presos nesta situação em liberdade.
Na prática, a partir desta sexta-feira (8), advogados de defesa de réus condenados em segunda instância têm protocolado pedidos de soltura nas instâncias que originalmente cuidam dos processos que levaram às prisões. Como a soltura do ex-presidente Lula ganhou repercussão, a tendência é que outros advogados sigam o mesmo caminho.
Distinção
A regra do trânsito em julgado não impossibilita prisões antes do fim de todos os recursos. Ela veda as prisões que tenham como objetivo o cumprimento de pena. A legislação penal prevê uma série de outras formas de prisão, desde que atendidos certos critérios, antes do fim do esgotamento dos recursos nas instâncias superiores.
São as hipóteses, por exemplo, de prisão em flagrante e prisão preventiva. Em alguns casos, é possível prender alguém que sequer é réu em processo penal, mas investigado em inquérito policial. Estimativas oficiais apontam que 40% dos presos no Brasil são provisórios, parte deles, portanto, sequer com decisão de primeiro grau.
“Se nós tivermos pessoas perigosas nesse conjunto [geral de presos após segunda instância], em que a prisão é necessária, decretem a prisão preventiva que sempre pode e sempre poderá. O que não pode é prisão automática, irracional, sem motivo, violando a Constituição”, explica em entrevista ao Brasil de Fato o processualista penal Aury Lopes Jr.
Essas distintas formas de prisão, de outro lado, geraram confusão sobre o impacto quantitativo do fim da segunda instância. Chegou-se a afirmar que até 190 mil pessoas poderiam ser beneficiadas por uma nova orientação do STF, que acabou se confirmando.
A cifra, entretanto, inclui todos presos com sentenças sem trânsito em julgado, incluindo aquelas que foram condenadas em primeira instância e tiveram prisões preventivas decretadas.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de pessoas presas, exclusiva e especificamente, por condenação em segunda instância – e que não foram, por exemplo, alvo de prisão preventiva -- é bem menor: 4.895 pessoas, cerca de 0,5% do total da população carcerária brasileira.
“É um perfil muito específico”, diz o defensor público e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), Bruno Shimizu. Ele explica que quem pode se beneficiar são aqueles que, presos em segunda instância, nunca foram alvo de prisões preventivas.
“Falar que vai haver um apocalipse porque o STF retornou à interpretação que ele utilizava até três anos atrás é uma informação falsa, uma tática de pânico. Na verdade, o apocalipse está dento das unidades prisional”, afirma.
O defensor atenta para um sub-perfil que tem sido pouco explorado na discussão: o preso em segunda instância que foi inocentado em primeira e condenado em segunda. Pelo entendimento que prevalecia até a última quinta-feira, seria possível que pessoas nessa situação estivessem presas.
Isso não significa que as condições para obtenção de liberdade por conta da decisão do STF serão suficientes para sua concretização, segundo Shimizu. Primeiro, porque mesmo sem prisões preventivas anteriores, as prisões em segunda instância poderiam ser convertidas para essa hipótese. “Isso seria muito complicado. Seria ilegal. Não significa que não vai acontecer, porque vai”, lamenta.
Outro obstáculo é de acesso à Justiça. As defensorias públicas não estão em todas as comarcas do país, e muitos réus já não tem advogados dativos acompanhando seus casos. Dessa forma, o próprio pedido de liberdade pode não ocorrer.
Edição: Rodrigo Chagas