A complexidade do Direito – intensificada pelo hermetismo de seus operadores – não raras vezes leva grande parte da população à incompreensão do que se passa no Judiciário brasileiro.
Além dessa dificuldade permanente, o clima de forte desinformação levou ao rápido surgimento de uma narrativa sobre o fim da execução da pena em segunda instância tão logo a decisão foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na última quinta-feira (7).
::Parlamentares se movimentam para enfrentar decisão do STF e tentar mudar Constituição::
Nas redes sociais, ganhou força a versão de que, como Lula não teria conseguido provar sua inocência, sua libertação teria exigido que a lei fosse alterada pelo Supremo.
Do ponto de vista estritamente jurídico, essa tese é duplamente infundada.
Nunca é demais lembrar que o STF não julgou um pedido da defesa de Lula, mas sim três ações gerais - sem vinculações formais com qualquer caso de réu individual -- que pediam que o artigo 283 do Código de Processo Penal fosse declarado constitucional.
O dispositivo do Código determina que, para execução da pena, alguém só pode ser preso após o trânsito em julgado, ou seja, o fim de todos os recursos: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado”.
A atual redação do artigo foi estabelecida em 2011, refletindo fielmente o que está escrito na Constituição, desde 1988. “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, diz o inciso 57 do artigo 5º do texto constitucional.
A simples leitura da Constituição deixa claro que, juridicamente, Lula é inocente, ao contrário do que tem circulado nos meios digitais. Pelo simples fato de que nenhum dos processos criminais dos quais é alvo foi encerrado. Goste-se ou não, essa é a lei.
O direito moderno estabelece, além disso, que ninguém tem que provar sua inocência. Cabe à acusação provar sua culpa.
Ao analisarmos os termos do Código de Processo Penal e da Constituição, fica também evidente que o STF não mudou a lei. A rigor, restaurou sua validade.
Até 2009, o Supremo vinha aplicando um entendimento que permitia a prisão em segunda instância, apesar da Constituição. Naquele ano, a medida foi derrubada.
Apenas em 2016, a despeito da redação que o Código ganhou em 2011, a execução da pena após a segunda instância voltou a ser aplicada.
Observando o que está escrito na lei, bem como esse breve histórico dos posicionamentos do Supremo, seria o caso de questionar exatamente o contrário do que vem sendo feito. Em 2016, não teria o STF “mudado” a lei para prender Lula?
É de se suspeitar que a visão mais condizente com a realidade não é a de que “para libertar Lula, outros milhares de presos ganharão as ruas”, conforme outra narrativa de sucesso na internet. Mas sim a de que, para encarcerar o petista, foi necessário prender também milhares de outras pessoas.
Edição: Rodrigo Chagas