A crescente tensão entre capitalismo e democracia ao redor do mundo foi o tema do terceiro painel do seminário internacional Brics dos Povos.
A mesa “Crise Política Internacional e Luta Popular”, realizada na manhã desta terça-feira (12), abordou como as disputas em âmbito global influenciam, na forma de desafios e possibilidades, a construção de projetos populares alternativos em cada país.
Andrey Pyatakov, do think tank Conselho Russo de Assuntos Internacionais, descreveu a atual conjuntura internacional a partir da distinção de dois conceitos. Em sua opinião, a contradição fundamental no mundo continua a ser a entre “capital e trabalho”, ou seja, entre trabalhadores e seus exploradores. Essa tensão, entretanto, é apenas “latente”.
A oposição predominante na arena internacional seria, segundo Pyatakov, entre Estados alinhados aos interesses do capital financeiro transnacional e países que buscam uma espécie de "desenvolvimento capitalista autônomo".
Esse antagonismo entre os dois modelos tem levado a tensões localizadas em diversos pontos do mundo como. Por exemplo, o conflito ucraniano, que, segundo Pyatakov, tinha como objetivo estratégico por parte dos setores alinhados ao capital transnacional o enfraquecimento da Rússia, como parte de uma “ofensiva global”.
“O mundo de hoje não conta com uma oposição frontal e aberta, uma contraposição, entre o capital global e o trabalho global. Essas forças que inspiram focos de guerra tentam impor à humanidade uma ditadura neofascista, dos setores mais agressivos e reacionários do capital transnacional. Esses planos nefastos geram um perigo maior não só à democracia e aos direitos conquistados pelos trabalhadores em todo o mundo, mas também para a vida do gênero humano”, defendeu.
Ilam Shaheen Khan, integrante do recentemente fundando Partido Socialista dos Trabalhadores da África do Sul, levantou a análise de que a crise capitalista internacional que vem se arrastando a mais de uma década, e para a qual a “burguesia não tem apresentado soluções”, aponta para um movimento de intensificação da espoliação da maior parte da população mundial.
“A crise capitalista leva os governos burgueses ao redor de todo o mundo a atacar os ganhos sociais remanescentes das massas. A crescente erosão da base social e do apoio popular a esses governos, os forçam cada vez mais a se apoiar em leis autoritárias e na repressão”, disse.
A deputa federal Jandira Feghali (PC do B-RJ) aprofundou o apontamento de Khan, apresentando a leitura de que não só há um incremento da repressão e do autoritarismo, mas novas formas de comunicação, notadamente através da internet, têm sido utilizadas para a “construção de formas de consciência” falseadas, levando partes dos próprios trabalhadores a aderirem ideologicamente a plataformas que contrariam seus interesses.
“Isso leva a que cada vez mais se apresenta uma bifurcação entre capitalismo e democracia. É impossível se estabelecer uma agenda tão profunda de desigualdade, criar uma massa de descartáveis, sem que a supressão da democracia se dê. Esse fator [comunicacional e ideológico] entrou no processo provocando mudanças culturais. Isso pesa nos processos de distorção da democracia”, afirmou.
Professor da Universidade Federal do ABC, Giorgio Romano apresentou como a disputa entre os EUA e a China, principalmente após a crise de 2008, quando o país asiático passou a adotar uma postura mais ativa na política internacional, representa o substrato comum de diversos focos de instabilidade no mundo.
“Na segunda década do século 21 o mundo assiste a determinação dos EUA de reorganizar sua hegemonia, com impactos sobre todos os membros do sistema internacional. Do outro lado, o surgimento da China, não mais somente como potência econômica, mas agora também com força e vontade para disputar a liderança tecnológica”, resumiu.
Romano advogou a tese de que o capitalismo liberal, representado internacionalmente pelo comando dos EUA, tem se demonstrado incapaz de construir alternativas que solucionem os problemas que assolam a humanidade, como a devastação do meio ambiente e a crescente desigualdade social.
Sua dúvida, nesse sentido, seria a possibilidade do modelo Chinês representar uma alternativa concreta a essas questões. Citando Gramsci, Romano afirmou ser ainda difícil caracterizar em detalhes o papel que a China possa vir a desempenhar no cenário global, ainda que, em sua opinião, em diversas dimensões o país tem se mostrado deficitário.
“A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, que é o que vivemos hoje, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece. O velho resistirá até a morte por todos os meios que tem para se manter. A questão que se coloca, é se a expansão do capitalismo chinês faz parte do interregno ou da construção do novo”, resumiu.
O Brics dos Povos contará ainda com um último painel nesta terça-feira (12). Após a conclusão da mesa realizada nesta manhã, os participantes se dirigiram para a Embaixada da Bolívia, para realizar manifestação de solidariedade ao povo boliviano e a Evo Morales.
Edição: Rodrigo Chagas