O acampamento Quilombo Campo Grande, que reúne 450 famílias sem terra no município de Campo do Meio (MG), voltou a ser tema de audiência na Justiça nesta quarta-feira (13). Para coletar provas sobre a posse da terra, a juíza Fernanda Machado de Moura Leite ouviu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e os empresários da usina falida Ariadnópolis. Os acampados vivem no local há 21 anos e, desde então, sofrem com diversas ameaças de despejo.
Participaram da oitiva -- ato de ouvir as partes de um processo judicial -- três membros da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia) e quatro testemunhas do MST. A sessão deveria ocorrer apenas em março de 2020, mas foi antecipada pelo Poder Judiciário. O juiz que analisa o caso, Walter Zwicker Esbaille Júnior, não participou desta sessão.
“Não é natural no mundo jurídico que esse tipo de adiantamento ocorra assim de forma tão repentina, inclusive quando se trata de causa complexa, como é o caso em análise”, comenta a advogada dos sem-terra, Letícia Souza.
A audiência de instrução durou cerca de quatro horas e contou com mobilização do lado de fora em defesa da permanência das famílias -- que fizeram doação de alimentos e mudas de árvores nativas e frutíferas. Após a sessão, os acampados realizaram um ato ecumênico e marcharam pelas ruas do município de Campo do Meio como forma de agradecimento à população do município.
Os sem-terra levaram toneladas de alimentos para a frente do Fórum da Comarca de Campos Gerais (MG) para mostrar que o terreno ocupado gera trabalho e renda para cerca de duas mil pessoas.
Com larga escala de produção agroecológica, as famílias produtoras do famoso Café Guaií também são responsáveis por outros tipos de cultivos, como milho, feijão, mel, hortaliças, verduras, legumes, galinhas, gado e leite. O Quilombo Campo Grande conta com 11 acampamentos organizados na área.
Quando era de propriedade da Capia, a área de aproximadamente quatro mil hectares produzia apenas cana-de-açúcar e álcool. Anualmente, o acampamento planta em média 600 hectares. Só no último ano, as famílias produziram 8,5 mil sacas de café e 1.100 hectares de lavouras com 150 variedades cultivadas. Tudo sem uso de agrotóxicos.
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Michele Neves, acampada no Quilombo e coordenadora do Centro de Referência em Direitos Humanos da região, avalia que, caso o despejo aconteça, será um grande retrocesso que atingirá não só os sem-terra, mas todo o município, pois a produção movimenta a economia da região.
Há um ano
Em novembro do ano passado, as famílias viveram dias de apreensão e resistência após uma liminar de despejo de 2012 ter sido retomada e aprovada pelo juiz Esbaille Júnior. Na época, os sem-terra recorreram da decisão. “Essa instabilidade permanente com a questão da terra, justamente neste momento de pôr a semente no chão, preparar as mudas, preparar o solo, é com intuito de desestabilizar a nossa produção, a organização e permanência na terra”, argumenta Tuíra Tule, da direção regional do MST no sul de Minas Gerais.
::Acampadas há duas décadas, famílias produtoras do Café Guaií sofrem ameaça de despejo::
José Maria de Moraes nasceu e cresceu no acampamento Quilombo Campo Grande e, aos 18 anos, trabalhou na usina Ariadnópolis. O agricultor acampado afirma que não consegue se imaginar em outro lugar: "Eu sempre gostei de trabalhar aqui, porque foi onde nasci e nós temos o direito de nascituro. Acho que juiz nenhum pode banir este direito".
Das famílias que ocupam a terra, 140 são de ex-funcionários da usina. Embora tenha encerrado suas atividades em 1996, a empresa ainda possui dívidas trabalhistas que ultrapassam R$ 300 milhões. De acordo com o Sindicato dos Empregados Rurais de Campo do Meio, aproximadamente 400 ex-trabalhadores da usina processam a empresa na Justiça.
Nesta quarta-feira (13), os acampados também anunciaram o plantio de dois milhões de árvores nativas e frutíferas. A ação vai integrar o Programa Nacional de Reflorestamento, encabeçado pelo MST e com lançamento em 2020. O objetivo é plantar 100 milhões de árvores em 10 anos.
Edição: Camila Maciel