Apesar da tradição secular no futebol, o Brasil ainda é um dos países com menor número de jogadoras no mundo. São apenas 2.974 mulheres registradas na Confederação Brasileira de Futebol (CBF). O país está atrás de vizinhos como Argentina, Peru e Venezuela.
O número fica maior (15 mil) se na soma forem adicionadas as jogadoras juvenis e que disputam torneios amadores, mas ainda se mantém aquém de países com baixíssima tradição na modalidade, como as Ilhas Salomão (20 mil) e a Nova Zelândia (30 mil), da Oceania.
Mas a Copa do Mundo de 2019, que foi realizada na França, trouxe uma nova perspectiva para o futebol feminino no Brasil. Dentro das quatro linhas, o país não teve o sucesso esperado e parou nas oitavas de final, após derrota para as anfitriãs, por 2x1. A vontade das jogadoras brasileiras de vencer e disputar as partidas e os discursos pós-Copa do Mundo, que revelaram os problemas estruturais da categoria, no entanto, trouxeram a esperança de dias melhores.
E isso se reflete em uma disputada peneira para meninas nascidas entre 2004 e 2005, realizada no Centro Olímpico de São Paulo. A entidade, que fica no bairro do Ibirapuera, é gerida pela prefeitura da cidade e, ao menos no futebol feminino, é um sucesso incomparável com os demais clubes do Brasil.
Para se ter ideia, da Seleção Brasileira que disputou a Copa do Mundo, 11 mulheres treinaram ou integraram equipes do Centro Olímpico. O equipamento público, segundo Rodrigo Roque Coelho, supervisor da modalidade no Centro, cumpre um papel que as grandes equipes do Brasil não fazem: cuidar das categorias de base.
“Hoje a gente vive uma fase do futebol feminino em que as grandes equipes têm aparecido mais, mas elas trabalham no âmbito adulto. O Centro Olímpico é focado na formação de atletas. Nosso objetivo é formá-las desde os nove anos até os 15 ou 17, para que elas possam se inserir no mercado”, explica Coelho.
Na última peneira do ano, neste mês de novembro, mais de 100 meninas fizeram duas horas de treinos físicos e com bola. No final, apenas seis foram aprovadas para um segundo teste, em que jogarão com as atletas que já integram a equipe do centro.
Uma das escolhidas é Julia Teixeira de Souza, que está no nono ano escolar. Ela chegou na capital paulista em 2017, da cidade de Barra do Mendes, no interior da Bahia, para tentar a sorte em uma equipe de futebol em São Paulo.
Antes da peneira, Julia não conseguia esconder a ansiedade. “Estou tentando manter a calma, mas tá difícil”, disse a estudante, que não vê outra possibilidade de carreira que não seja o futebol. “As pessoas me perguntam: ‘e se não der certo?’. Eu sempre respondo que não sei o que eu posso querer. É isso que eu quero.”
Exemplos para se inspirar não faltam. Mas uma mulher, em especial, motiva os sonhos de Julia Teixeira: a rainha Marta, seis vezes escolhida a melhor jogadora do mundo. “Ela é do interior, eu também vim de uma cidade pequena, me pego bastante nela”, afirma.
O pai, Paulo Alves de Souza, está desempregado e veio da cidade de Barra do Mendes para acompanhar o sonho da filha em São Paulo. “A gente sempre está torcendo para que dê certo, vamos ver o que acontece”, torce.
Começam os treinos e as meninas deixam tudo em campo. Depois de um aquecimento, treino com bola em campo reduzido e, ao final, partidas de 10 minutos, no campo inteiro. Das mais de 100 meninas, divididas em equipes de 11 jogadoras, 14 são selecionadas para um treino em campo menor. Daí, seis são premiadas pelo esforço e alcançam a chance de treinar com as meninas do Centro Olímpico.
“Deu certo. Uma etapa, um primeiro passo. Vou dar meu máximo agora, nos próximos treinos”, conta Julia emocionada.
Este é só o primeiro passo para ela e também para o futebol feminino. No Brasil, a existência das equipes ainda estava ancorada em uma determinação da Conmebol (Confederação Sul Americana de Futebol), que exigiu que clubes que disputam a Taça Libertadores, o mais importante torneio de clubes do continente, também mantivessem uma equipe profissional.
Além de equipes tradicionais do futebol brasileiro como Corinthians, São Paulo e Santos, outros clubes como a Ferroviária, de Araraquara, no interior paulista, também voltaram ao cenário graças aos novos investimentos e à criação de torneios regulares, que até pouco tempo atrás não faziam parte do calendário.
Muitas mulheres que integravam a Seleção Brasileira treinavam na sede da CBF, no Rio de Janeiro, por falta de estrutura.
“Ainda falta muita coisa. É muito legal ver as competições adultas acontecendo, ver as atletas enfim recebendo um salário digno, mas na base isso ainda não acontece. Mesmo assim, as mudanças que aconteceram no futebol feminino vieram pra ficar”, diz o supervisor Roque Coelho.
As peneiras do Centro Olímpico acontecem todos os meses e retomam no começo do ano que vem.
Edição: Cris Rodrigues