“Levaram ele para o pátio. Pegaram o órgão dele genital e fizeram tipo uma masturbação. Mandaram ele fazer flexões. Aí mandaram o bloco todo gritar que ele era corno, que ele era viadinho, só porque o advogado dele foi lá e viu que ele estava doente com febre e foi reclamar na direção”.
O relato é da mãe de um detento que, por medo, pediu para não ser identificada. A situação, segundo ela, aconteceu dentro do novo Complexo Penitenciário de Vitória do Xingu, a 22 km de Altamira. Inaugurado no último dia 4 de novembro, o local é considerado pelo governo estadual o mais seguro do Pará. A penitenciária é uma das compensações da Norte Energia pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
Segundo a agência de notícias do governo, "a nova unidade garante maior segurança e dignidade para o cumprimento de pena, além de tecnologia e espaços destinados para reinserção social". Apesar da expectativa criada em torno da nova unidade, M.N, de 28 anos, esposa de outro detento, afirma que as torturas são corriqueiras no local.
"Agora eles têm uma rotina. De manhã, cantam o hino de Altamira; depois, o Hino Nacional. Fazem oração e agradecem pela comida que é dada a eles. Não vejo problema nisso: a questão é que eles continuam apanhando muito", lamenta. "Mesmo obedecendo, eles são espancados diariamente. Isso é que não acho certo. É muito triste. A pessoa está ali para pagar pelo que fez, não para ser torturada".
O complexo é um convênio entre a Norte Energia e a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Segup). A obra durou seis anos, e já era alvo de uma investigação pelo Ministério Público Federal (MPF).
Segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o presídio de Altamira foi projetado para comportar 163 presos, mas estava com 343 detentos. O despacho de instauração do inquérito também exigia esclarecimentos sobre o atraso na conclusão das obras.
A penitenciária é formada por três unidades e conta com 612 vagas: uma voltada para o regime semi-aberto (201 vagas); a segunda direcionada apenas para mulheres (105 vagas); e o masculino (306 vagas). No local estão 166 detentos, que foram transferidos do Centro de Recuperação Regional de Altamira (CRRALT) e outros 66 da Central de Triagem do mesmo município.
Comida estragada, gás de pimenta e espancamento
As denúncias de tortura nos presídios paraenses vieram à tona após um relatório elaborado pelo Conselho Penitenciário estadual. De lá para cá, o governo paraense passou a interferir na configuração do conselho, com a nomeação de membros da Secretaria de Segurança Pública. Desde então, não há informações sobre o que é realizado dentro dos presídios.
M.N diz que só é possível saber o que acontece depois que alguém é solto, porque as visitas estão proibidas. "Os relatos que a gente ouve é dos presos que saíram. O que a gente sabe é que a comida vem quase estragada, que tem spray de pimenta depois do almoço -- dizem que eles chegam até a vomitar. O rapaz que saiu está todo machucado de bala de borracha. Isso sem falar na pressão psicológica", diz.
As torturas nos presídios paraenses são denunciadas há meses, mas os governos estadual e federal segue legitimando o trabalho da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária no Pará (FTIP) -- a atuação do órgão está prevista até o dia 23 de janeiro de 2020, supostamente para garantir a segurança e o bom funcionamento das unidades.
O coordenador da FTIP, Maycon Rottava, chegou a ser afastado pelo Ministério Público Federal (MPF) no dia 3 de outubro por improbidade administrativa -- os indícios apontavam tortura, maus-tratos e abuso de autoridade nas unidades penitenciárias que estão sob intervenção federal. No dia 16 de outubro, porém, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) derrubou a liminar. O documento assinado pelo desembargador Orlindo Menezes atendeu a um recurso da Advocacia-Geral da União (AGU).
Entre as denúncias mais recentes estão o uso em excesso do spray de pimenta e espancamento. Também há caso de mulheres que foram obrigadas a sentar nuas em formigueiros. Como resposta, o governo federal chegou a dizer que os presos se "automutilam".
“Se sair reportagem, eles vão sofrer as consequências”
Segundo M.N, uma das condições para liberação de visita de parentes aos presos era que as mulheres não falassem à imprensa. M.N. diz que a diretora do Complexo Penitenciário de Altamira, Patrícia Abucater, chegou a pedir que elas não relatassem o fato ou os presos sofreriam consequências.
"A Polícia chegou junto. O GTO [Grupo Tático Operacional] chegou e mandou a gente se retirar, porque eles proibiram. Falaram que, se saísse alguma notícia de lá, quem ia sofrer as punições seriam os presos".
O Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria da Secretaria do Sistema Penitenciário do Pará (Susipe), mas até o fechamento da reportagem não houve retorno sobre as denúncias de tortura e suspensão de visitas.
Edição: Daniel Giovanaz