Consciência Negra

Artigo | Um grito forte

Passados 324 anos, pouca coisa mudou e várias cabeças de Zumbi seguem "servindo de exemplo"

Brasil de Fato | Natal (RN) |
Foi em 20 de novembro de 1695 que Zumbi terminou assassinado após a campanha de destruição do quilombo de Palmares
Foi em 20 de novembro de 1695 que Zumbi terminou assassinado após a campanha de destruição do quilombo de Palmares - Reprodução

O Brasil tem muitas contas a acertar consigo. São tantas e tão altas que é praticamente impossível. E o dia 20 de novembro é uma excelente data para relembrar como essa conta chegou ao vermelho e nem dá sinal de que vai sair tão cedo.
Deter-se à figura do herói relembrado neste dia 20 é uma boa pista para quem ao menos quer entender o que se passa nesse país. O preto Zumbi, o Zumbi dos Palmares, que em kimbundu, uma língua bantu, quer dizer algo como um fantasma que vaga na noite. Uma ideia que segue aparecendo em cada esquina, nos corpos e nas histórias.
Olhemos pois em retrospectiva para esta figura, a partir do único episódio de sua vida que se pode ter algum tipo de informação segura. Foi em 20 de novembro de 1695 que Zumbi terminou assassinado após a campanha de destruição do quilombo de Palmares. O guerreiro cultivava uma imagem de invencibilidade, quase imortalidade. Ao ser capturado teve sua cabeça arrancada, salgada e exposta no pátio da basílica do Carmo, no Centro do Recife até se decompor. "Determinei que pusessem sua cabeça em um poste no lugar mais público desta praça, para satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam Zumbi um imortal, para que entendessem que esta empresa acabava de todo com os Palmares", registrou Caetano de Melo e Castro, então governador da capitania, em carta ao rei de Portugal.
Passados 324 anos, o dia infame virou o dia da consciência negra no Brasil, pouca coisa mudou e várias cabeças de Zumbi seguem "servindo de exemplo": Marielle Franco e Anderson Gomes, os cinco jovens metralhados com 111 tiros por policiais militares, o catador de recicláveis Luciano Macedo e o músico Evaldo Rosa alvos de 80 tiros de militares do Exército, Preta Ferreira, DJ Rennan da Penha, a dançarina Bárbara Queiroz presa apenas por conta do seu cabelo crespo, o menino amarrado a um poste por ditos justiceiros que fez a jornalista Rachel Sheherazade regojizar-se em rede nacional.
Gente preta a qual já foi negada a dignidade de conhecer seus antepassados que foram trazidos pelo Atlântico nos tumbeiros, como teria sido a avó materna de Zumbi, a princesa Aqualtune do Congo. Gente preta com vidas destruídas por braços do Estado, resistente como Dandara, a esposa de Zumbi, que pulou da cachoeira para não voltar ao suplício da escravidão.
Palmares é o ontem, o hoje e, infelizmente, o amanhã dessa nação.
Ao fim, para esse dia 20 só resta citar o samba histórico da Unidos de Vila Isabel para Carnaval de 1988, Kizomba, A Festa de Raça, composto por Rodolpho de Souza, Jonas Rodrigues e o gênio Luiz Carlos da Vila: "Valeu, Zumbi! O grito forte dos Palmares que correu terras, céus e mares".
*Paulo Nascimento é jornalista.
 

Edição: Isadora Morena