A Polícia Civil do Estado de São Paulo prendeu na noite de terça-feira (19) Maria Marques Martins dos Santos, 38 anos, mãe de Lucas Eduardo Martins dos Santos, 14, que está desaparecido desde a madrugada de quarta-feira (13/11). Ela foi presa ao chegar para prestar depoimento no Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Santo André, cidade no ABC Paulista. A intenção era ajudar a descobrir o paradeiro do garoto, mas a polícia a prendeu logo em seguida.
Maria Marques, que até então se apresentava como Teresa e se dizia madrasta do menino desaparecido, tinha um mandado de prisão aberto por tráfico de drogas. O documento data de agosto de 2017. A prisão aconteceu na Avenida Utinga, na Vila Metalúrgica, onde fica a unidade responsável por investigar o sumiço do menino e também analisar o exame de DNA de um corpo encontrado sexta-feira (15) boiando em um lago no Parque Natural Municipal do Pedroso, também em Santo André, que pode ser ou não do jovem.
Lucas sumiu após deixar a casa em vive com a mãe, o irmão mais velho e a cunhada na Favela do Amor, na Vila Luzita, periferia da cidade. Ele saiu para comprar um refrigerante numa quitanda dentro da própria comunidade e não voltou. Familiares e vizinhos acusam policiais militares de terem abordado o adolescente, que depois disso teria sumido. Dois PMs do 41º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano foram afastados do patrulhamento nas ruas, mas exercem trabalhos administrativos, sem prejuízos em seus vencimentos.
A advogada Maria Zaidan, que foi constituída pela família para atuar no caso de Lucas, estava com a mãe do estudante no momento de sua prisão. Ela afirmou à Ponte que Maria Marques refuta a acusação de tráfico de entorpecente, e que por esse motivo irá analisar o processo e entrar com um pedido de habeas corpus em favor de mulher.
A reportagem teve acesso ao processo que gerou a prisão. De acordo com o documento, em 21 de agosto de 2012 policiais civis foram com uma viatura descaracterizada para a Rua da Constituição, uma das vielas da Favela do Amor atender uma denúncia anônima. A denúncia era de que uma mulher de apelido “Nega” comercializa drogas na região. Os policiais fizeram campana para obter o flagrante.
Ainda de acordo com o processo, após alguns instantes, os agentes “avistaram a acusada em movimentação típica de venda de entorpecentes”. Com a abordagem, encontraram R$ 35 e, durante conversa, Maria Marques teria afirmado que guardava a droga em um buraco na parede. Nesse local, ainda segundo a versão dos policiais civis, foi encontrado uma pequena bolsa em que continham 10 invólucros de maconha (16,4 gramas), 37 invólucros plásticos com cocaína (35,3 g), além de outras 39 cápsulas de cocaína (7,2 g).
Pela acusação, a mulher passou alguns dias presa, mas foi colocada em liberdade por ser ré primária. Pouco mais de um ano depois, em novembro de 2013, a juíza Teresa Cristina Cabral Santana decidiu por absolver a acusada. O entendimento era de que “os policiais ouvidos apresentaram versão contraditória” e que “a droga não foi encontrada com a acusada; estava em outro local, não tão próximo da acusada, que é conhecido como ponto de venda de droga”, ponderou.
No entanto, logo após a absolvição, o Ministério Público recorreu, o que fez com que o processo chegasse para análise de desembargadores do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo, que decidiram por condenar Maria Marques Martins dos Santos a cumprir cinco anos de detenção por tráfico.
“Ela é uma mulher pobre, não é uma traficante. Ela alega que estava na porta de sua casa comendo farofa com ovo no dia da prisão. Não estava traficando. Ela é uma mulher pobre, preta, não teve escolha na vida, não teve a oportunidade que eu tive”, afirmou à Ponte a defensora Maria Zaidan, que também é presidente da Comissão de Igualdade Racial e Inclusão Social, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santo André.
Após a prisão de Maria Marques, Ariel de Castro Alves, advogado e conselheiro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), cobrou respostas da polícia. “Independente dos antecedentes de alguns familiares, a polícia e o governo de São Paulo tem o dever de esclarecer o desaparecimento do Lucas. Isso não os isenta da responsabilidade”, afirma. “Sempre que a polícia e o governo não querem esclarecer determinados crimes, como frequentemente ocorre nos casos de chacinas, ou querem isentar de suspeitas seus agentes, eles passam a divulgar os possíveis antecedentes criminais das vítimas e seus familiares para sugerir que as ocorrências foram resultantes de disputas entre grupos criminosos. E os casos ficam sem solução”, argumenta.
A tragédia que assola a família de Lucas é semelhante a que atingiu a família de Eloá Pimentel, sequestrada dentro de um apartamento do Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU) pelo ex-namorado, Lindemberg Alves, e morta há 11 anos. Não bastasse os casos acontecerem na mesma cidade e em bairros distantes apenas três quilômetros um do outro, a história é similar pelo encarceramento: o pai da menina também acabou preso após o sequestro de sua filha ganhar repercussão.
Everaldo Santos, que usava o nome falso de Aldo José da Silva, era procurado por suspeita de integrar um grupo de extermínio em Alagoas, e foi reconhecido após passar mal durante o sequestro de Eloá e ser flagrado por câmeras de TV enquanto era socorrido. Ao deixar o hospital, o homem ainda permaneceu cerca de um ano foragido, mas foi preso após deixar Santo André e seguir para Maceió.
Sigilo judicial
Às vésperas da busca da família, amigos e vizinhos por Lucas Eduardo Martins dos Santos completar uma semana, a delegada do caso pedir sigilo judicial no inquérito, que é tocado pelo SHPP de Santo André. Com o sigilo imposto, apenas advogados das partes que estão inseridas no processo podem ter acesso aos andamentos do inquérito. À Ponte, a defensora da família de Lucas, Maria Zaidan, que deu aval para o pedido ser feito, afirmou que o sigilo “é melhor para proteção da família, já que tinham muitas pessoas com acesso ao inquérito”, sem especificar quem seriam essas pessoas.
Para Ariel de Castro Alves, o sigilo nas investigações “reforça as suspeitas sobre o envolvimento de policiais no desaparecimento do adolescente”. O defensor explica que geralmente o sigilo ou segredo de Justiça são pedidos pela polícia para a Justiça em casos que envolvam crianças e adolescentes, mas também em casos que envolvem policiais. “Acabam servindo mais para proteger os suspeitos ou acusados de crimes do que para proteger as vítimas. Uma forma de tentar esconder o caso diante da repercussão e das cobranças públicas e impedir o trabalho da imprensa. Isso é lamentável”, explica.
Quem também tem posição semelhante à de Castro Alves é o advogado e conselheiro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) Cristiano Maronna. “A única justificativa é não prejudicar a investigação. É a polícia se protegendo da polícia, já que os suspeitos são policiais. Sigilo é uma questão sempre complexa, usado na maioria das vezes de um modo a proteger policiais”, concluiu.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB) informou que “a mulher foi presa por conta de um mandado de prisão. O caso foi registrado como captura de procurado pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Santo André”. Sobre o sigilo judicial, se limitou a dizer que o SHPP “de Santo André investiga o caso por meio de inquérito, que está sob sigilo judicial. A Polícia Militar também instaurou um procedimento para apurar todos os fatos”.
Edição: Ponte Jornalismo