Amazônia

ONGs e oposição reagem à operação Fogo do Sairé: conectada com discurso de Bolsonaro

Ação, coordenada pela Polícia Civil do Pará, prendeu quatro voluntários da Brigada de Incêndio de Alter do Chão

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Representante do Projeto Saúde & Alegria e parlamentares de oposição concederam coletiva sobre o tema na Câmara dos Deputados, em Brasília
Representante do Projeto Saúde & Alegria e parlamentares de oposição concederam coletiva sobre o tema na Câmara dos Deputados, em Brasília - Gabriel Paiva/PT na Câmara

O coordenador da ONG Projeto Saúde e Alegria, Caetano Scannavino, disse, nesta terça-feira (26), que o mandado de busca e apreensão de que a entidade foi alvo nesta data no âmbito da operação “Fogo do Sairé”, da Polícia Civil do Pará, continha imprecisões.

A instituição teve documentos apreendidos em Santarém (PA) em meio a sete mandados que foram cumpridos também em outras ONGs com atuação no estado.

“A Polícia Civil chegou no nosso escritório de uma forma truculenta, armada com metralhadora, sem a gente saber por que, sem saber qual a acusação e, inclusive, sem decisão judicial e com um mandado de apreensão sem definir o quê, pra quê, sem as especificidades conforme o bom direito rege”, queixou-se Scannavino.

Fundada em 1987 na Amazônia, a ONG atua em municípios do Pará por meio de promoção e apoio ao desenvolvimento comunitário sustentável.

O dirigente estava na Câmara dos Deputados para participar de uma audiência pública sobre o abastecimento de energia elétrica em comunidades isoladas quando soube da notícia sobre a operação. Ele se disse surpreso com o ocorrido e afirmou que a ONG viveu “uma manhã de terror”.  

“A gente fica muito preocupado porque é uma equipe que trabalha dia e noite nas comunidades, que não mede esforços pra atuar junto a um barco-hospital, pra levar energia e saneamento [pras pessoas] faça chuva ou faça sol. Nesses 31 anos de Projeto Saúde e Alegria, hoje foi a manhã mais triste da nossa história”, desabafou.

Brigadistas presos

Caetano Scannavino comentou ainda a prisão, efetivada também nesta terça pela manhã, de quatro membros da Brigada de Incêndio de Alter do Chão (PA) pela operação, que apura supostos envolvimentos com incêndios criminosos que atingiram a região em setembro deste ano.

Os mandados foram expedidos pelo juiz Alexandre Rizzi, titular da 1ª Vara Criminal de Santarém, município que responde pelo distrito de Alter do Chão.

Conheço pessoalmente os brigadistas e são pessoas em quem sempre tive confiança, pessoas de boa índole.

Questionado se acredita em ação de cunho político, Scannavino disse que prefere ser cauteloso com o tema, mas ressaltou a importância do trabalho dos brigadistas, que atuam de forma voluntária na região.

“Uma coisa é o Projeto Saúde e Alegra, outra é a Brigada, mas eu conheço pessoalmente os brigadistas e são pessoas em quem sempre tive confiança, pessoas de boa índole, que se voluntariaram, já em anos anteriores, a montar uma frente para somar esforços com o Estado no combate a incêndios florestais. Tenho muito rigor na apuração, então, seria leviano da minha parte acusar um ou outro, mas existe uma situação clara e óbvia nos últimos tempos de tentativa de criminalizar as ONGs, o movimento ambiental”, afirmou Scannavino.

A prisão dos quatro brigadistas tem caráter preventivo e eles devem ser ouvidos nesta quarta-feira (27) pela Justiça local em uma audiência de custódia. A Brigada de Incêndio de Alter do Chão também divulgou nota pública a respeito do caso.

“No momento, membros e apoiadores da Brigada estão apurando o que levou a esse fato. Estamos em choque com a prisão de pessoas que não fazem senão dedicar parte de suas vidas à proteção da comunidade, porém certos de que qualquer que seja a denúncia, ela será esclarecida e a inocência da Brigada e seus membros devidamente reconhecida”, afirmou o grupo.

Perseguição a ONGs

Em coletiva de imprensa na Câmara dos Deputados, parlamentares de oposição que acompanham o tema ambiental na Amazônia reagiram aos mandados executados pela operação.

“Os assassinos da Irmã Dorothy continuam operando no Pará. Não vamos aceitar qualquer tipo de criminalização”, criticou Edmilson Rodrigues (Psol-PA), citando casos de perseguição a ativistas, entre membros de movimentos populares, especialistas, religiosos e outros atores.

O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, Nilto Tatto (PT-SP), apontou que a operação estaria conectada ao discurso político do presidente Jair Bolsonaro e aliados que acusam ONGs de supostamente promoverem desmatamento na Amazônia e outras ilegalidades.

Tatto destacou que a iniciativa se soma à tentativa de instalação de uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] das ONGs, patrocinada por governistas.

“Isso tudo vem no rol do desmatamento da Amazônia e dessa acusação [da operação]. Está se produzindo ali [no Pará] algo pra poder dar base a esse discurso mentiroso e tentar passar adiante, aqui dentro do Congresso Nacional, essa CPI”, atribuiu o petista.

Os assassinos da Irmã Dorothy continuam operando no Pará. Não vamos aceitar qualquer tipo de criminalização

Ele acrescentou que a Comissão de Meio Ambiente da Câmara vinha articulando uma visita a Alter do Chão pra tratar das queimadas ocorridas em setembro e que, agora, o colegiado deverá se debruçar também sobre o caso da operação.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Helder Salomão (PT-ES), informou que irá oficiar a Secretaria de Segurança Pública do Pará e outros órgãos do estado para pedir dados do inquérito em questão. “Está tudo muito nebuloso nessa operação. Queremos que as coisas fiquem claras”, afirmou.

Reações

O tom dos parlamentares foi o mesmo adotado por entidades da sociedade civil organizada que se manifestaram a respeito do caso.

Em nota pública, a Associação Iwipuragã, do povo indígena Borari, prestou solidariedade aos quatro brigadistas presos, aos quais se referiu como “companheiros”.

A entidade classificou as prisões como “uma grande armação” e disse que o grupo tem atuado em defesa do território da comunidade.  

“Conhecemos a seriedade do trabalho e a honestidade dos nossos brigadistas. Entendemos que estas acusações fazem parte de uma estratégia para desmoralizar e criminalizar as ONGs e movimentos sociais de forma caluniosa. Nosso território vem sofrendo enorme pressão de especulação imobiliária que atropela os direitos dos povos originários e os planos de sustentabilidade para região, as ONGs e os movimentos sociais bem como moradores locais com formação técnica vêm somando forças, na resistência”, sublinha o documento.

Na mesma sintonia, a Anistia Internacional levantou questionamentos sobre a transparência da operação e afirmou que “não há, até o momento, informações sobre as investigações ou os procedimentos adotados pelas autoridades contra os acusados que justifiquem a decisão pela prisão”.

“É lamentável que, no mesmo dia em que trazemos a público uma investigação consistente, com análise de dados oficiais e informações públicas, evidências coletadas em campo e entrevistas com servidores públicos, lideranças indígenas e comunidades tradicionais, mostrando comprovadamente como a pecuária está por trás do desmatamento e das queimadas na Amazônia, aconteçam prisões sem qualquer transparência ou informação oficial sobre procedimentos adotados pelas autoridades”, afirmou a diretora-executiva da entidade, Jurema Werneck.

Edição: Rodrigo Chagas