O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgaram notas públicas em que repudiam o uso das forças armadas para reintegração de posse no campo.
Na visão das organizações, a chamada Garantia da Lei e da Ordem (GLO), prometida pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) nesta segunda-feira (25), corresponde a uma ação para tentar criminalizar movimentos populares.
A avaliação parte não só de representantes dos próprios movimentos, mas também de estudiosos e observadores das questões relativas ao direito à terra e à reforma agrária.
O tema voltou ao debate na semana passada com a apresentação pelo governo do novo projeto de lei que propõe a ampliação do excludente de ilicitude para militares que atuarem em operações de GLO.
O capitão reformado afirmou que estuda enviar ao Congresso Nacional um projeto prevendo a aplicação de ações da chamada GLO em situações de ocupação de terra. Para o MST, além de proteger os ruralistas, a medida ameaça a vida no campo brasileiro.
"A defesa dos direitos humanos é parte do processo histórico das lutas dos povos e sua conquista, bem como sua garantia, depende da capacidade de organização e de luta dos trabalhadores e trabalhadoras e dos demais setores expropriados dos bens essenciais à sobrevivência humana. Diante desse cenário, o MST reafirma sua disposição na luta pelo livre direito de manifestação previsto em Constituição e pelo cumprimento da função social da terra -- também previsto em Constituição", diz a nota.
A CPT enfatiza que Bolsonaro propõe utilizar a força do Estado para garantir os interesses do capital e a propriedade privada, além de acirrar os conflitos agrários. O MST tem o mesmo entendimento.
"Essa defesa cega da propriedade privada feita pelo governo Bolsonaro nos coloca em uma situação anterior à lei de terras de 1850. Além disso, medidas e declarações como essas colocam combustível nos conflitos já em curso no campo, principalmente nas áreas indígenas. Essa GLO certamente não será empregada contra grileiros, invasores de terras públicas da União e terras devolutas", critica o MST.
A CPT também avalia que o governo Bolsonaro segue uma escalada autoritária que, no fundo, representa "uma licença para matar".
Abaixo, confira a nota da CPT na íntegra:
"A Diretoria e Coordenação Executiva Nacional da CPT juntam-se hoje ao coro de indignação que se levanta em todos os cantos do país, diante da anunciada intenção do presidente Jair Bolsonaro de criar uma Garantia da Lei e da Ordem – (GLO) do campo, para autorizar a intervenção federal quando governadores estaduais protelarem a execução de mandados judiciais de reintegração de posse. Assim atenderia ao acordo feito com os grileiros, fazendeiros, madeireiros e milicianos rurais, incomodados pela demora na execução dos mandados.
O presidente taxa os que lutam para defender ou conquistar um pedaço de terra para trabalhar, como “marginais que invadem uma propriedade rural”. Os indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, trabalhadores e trabalhadoras rurais, bem como os sem-terra vivem dias nefastos e sob constante insegurança.
Isto é o que quer o presidente, submisso aos interesses ruralistas: atropelar prerrogativas estaduais e garantir impunidade a policiais e militares que alvejarem pessoas em reintegração de posse de propriedades rurais ocupadas ou já com posse efetiva. É uma licença para matar!
Seria estender ao campo o projeto de lei enviado ao Congresso no dia 21/11 que tem o objetivo de isentar de punição agentes de segurança que cometerem crimes e excessos durante outras operações de GLO (“excludente de ilicitude”).
O apelo a este incremento da violência do Estado corresponde às pressões do capital agrário e minerário pela expansão sem freios dos seus empreendimentos danosos contra a terra, a água, a floresta e as pessoas. Até um novo AI-5 tem sido reiteradamente aventado como meio de entregar o prometido pelo capitão-presidente aos que bancaram sua viciada eleição.
Repudiamos o desmonte contínuo das instituições que garantem os direitos das e dos cidadãos, neste caso proposto com a intervenção federal na esfera estadual. O dever principal do Estado em cada esfera é de garantir a integridade física das pessoas. O atual Presidente da República propõe utilizar a força do Estado para garantir os interesses do capital e a propriedade privada.
No último sábado, o jornal Folha de São Paulo trouxe uma matéria em que informa que há engavetados 66 projetos de assentamentos que cumpriram todas as etapas legais exigidas e estão prontos para serem executados, só falta a assinatura do presidente. No entanto, nenhum deles foi assinado até o momento e, consequentemente, nenhuma família foi assentada.
Ao mesmo tempo há um projeto de lei do deputado Eduardo Bolsonaro, que visa descaracterizar a função social da propriedade da terra, para favorecer os grandes proprietários. Neste contexto também cresce a violência do Estado contra os povos do campo.
Na segunda-feira (25) deu-se o despejo de 700 famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST na Bahia, que, desde 2012, cultivavam a terra nos acampamentos Abril Vermelho, no Projeto Salitre, em Juazeiro (BA), e Irmã Dorothy e Iranir de Souza, no Projeto Nilo Coelho, em Casa Nova (BA), áreas públicas da estatal Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – CODEVASF.
Os despejos foram violentos, apesar de a Polícia Federal ter dito em nota que a desocupação ocorreu de maneira pacífica em todas as áreas. A PM ignorou a Resolução No. 10 de 2018 do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que trata exclusivamente dos despejos, e violou os direitos humanos das pessoas nos acampamentos.
A ação teve início ainda na madrugada, quando foram jogadas sobre os acampados bombas de gás e utilizado spray de pimenta. As casas foram destruídas, trabalhadores ficaram feridos e as famílias estão sem ter para onde ir. Muitas crianças e idosos acordaram com falta de ar por conta da fumaça e chegaram a desmaiar.
Isso mostra o total desrespeito das forças policiais às recomendações que, após o Massacre de Eldorado dos Carajás – PA, em 1997, foram determinadas a esses tipos de operações. Recomendações essas que a GLO do campo, de Bolsonaro, quer suprimir.
A CPT se pergunta: até quando os pobres desta terra serão vistos e tratados como potenciais infratores das leis que precisam ser combatidos e contidos à força, quando na verdade são cidadãos portadores de direitos, inclusive à propriedade, produzem os alimentos saudáveis que comemos e cuidam das águas, das matas e da qualidade do meio-ambiente da qual todos dependemos para viver?
Assim como Deus se fez presente no meio do seu povo, indo com ele para o exílio e, por fim, perseguido e crucificado em Jesus Cristo, acreditamos que a sua presença continua viva e atuante junto às sofredoras e sofredores deste mundo".
Edição: Rodrigo Chagas