A gestão Ricardo Salles deixou de executar cerca de 39% do orçamento de R$ 3,27 bilhões autorizados para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 2019, considerando o fluxo de caixa observado até a última terça-feira (26). Até o momento, a pasta utilizou somente R$ 2 bilhões.
A baixa execução das verbas é ainda mais evidente quando se observam rubricas específicas, como é o caso do orçamento destinado ao Programa Mudanças Climáticas. Com total de R$ 446 milhões autorizados, R$ 40 milhões foram usados pelo governo até o momento.
Levantados por pesquisadores do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), os números fazem parte de uma pesquisa preliminar a ser concluída em janeiro, após o fechamento do ano na gestão pública, quando a entidade deve divulgar um balanço orçamentário dos 12 meses. Os primeiros dados, no entanto, já suscitam análises.
“A gente vê que tem uma decisão política deliberada de não executar um recurso que já é, por si só, absoluta e historicamente insuficiente pra enfrentar o desafio – que é gigantesco e não é de um governo, e sim da sociedade – de preservar o meio ambiente e a floresta amazônica”, avalia a assessora política do Inesc, Alessandra Cardoso.
A estatística foi destaque na programação do seminário “Desmatamento e Queimadas na Amazônia: tendências, dinâmicas e soluções”, que reuniu parlamentares, representantes de entidades da sociedade civil organizada e de movimentos populares nesta quinta-feira (28), na Câmara dos Deputados. Entre outras questões, os participantes relacionaram, com preocupação, o desmonte do orçamento público com os problemas que afetam o meio ambiente no governo Bolsonaro.
Para o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, Nilton Tatto (PT-SP), o debate pede um engajamento efetivo dos gestores da administração pública que lidam com o tema, com destaque para os cargos de comando do MMA. “Quero destacar que o Ministério de Meio Ambiente foi convidado pra estar aqui presente [no seminário] e não mandou nenhuma representação”, alfinetou o petista.
Para parlamentares e especialistas que acompanham o debate, a prevenção e o controle de incêndios florestais -- ações que ficam a cargo do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) -- estão entre as maiores preocupações.
Apesar de ter ganhado evidência, ao longo do ano, por conta do aumento das queimadas, o assunto recebeu do MMA menos atenção do que o esperado: dos R$ 45 milhões previstos para essa rubrica, somente R$ 28 milhões foram executados até a última terça. O valor previsto para o segmento este ano já havia encolhido R$ 63 milhões em relação à verba de 2018.
O instituto identificou um fosso ainda maior entre a projeção e a execução orçamentária na área de “Políticas e estratégias de prevenção e controle do desmatamento e de manejo e recuperação florestal no âmbito da União, estados e municípios”. Também pertencente ao Programa de Mudanças Climáticas, o segmento consumiu R$ 15 mil dos R$ 253 mil previstos para 2019.
“É falacioso e falso esse discurso de que não tem dinheiro. O dinheiro tem, ainda é muito baixo pra necessidade, mas ele está sendo deliberadamente não executado”, reforça Alessandra Cardoso.
Para especialistas, a capacidade institucional do Estado de lidar com as questões da área de meio ambiente tende a ficar ainda mais restrita ano que vem, caso se confirme a previsão orçamentária de R$ 2,7 bilhões para o MMA em 2019. Atualmente em debate no Congresso Nacional, o orçamento representa cerca de 82% do valor deste ano.
O presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional), Alexandre Bahia Gontijo, sublinha que a limitação de verbas se alinha à redução da estrutura institucional na área, exemplificada pela extinção da Secretaria de Mudanças Climáticas, promovida pelo governo de Jair Bolsonaro este ano.
“Esse tipo de decisão diminui muito a capacidade do MMA em responder a problemas como os que a gente enfrenta hoje, desde o desmatamento na Amazônia até a questão com o petróleo na costa”, afirma.
Orçamento x grilagem
A asfixia orçamentária, que restringe as políticas no setor, resvala com mais força em quem está na ponta do problema: a população, especialmente comunidades amazônicas, como ribeirinhos, indígenas e pequenos agricultores. Especialistas da área apontam que a falta de verbas, de vontade política e o abandono de ações governamentais incentivam ações ilegais na região da Amazônia, que se multiplicam com o maior empoderamento de madeireiros, latifundiários, grileiros.
“A grilagem de terras é a primeira causa do desmatamento. Faz 25 anos que estou em Rondônia e tenho visto isso. Pode haver multas, quantas quiserem, mas quem desmata acaba virando dono da terra. Enquanto não se acabar com isso, vão continuar desmatando, porque quem desmata ganha um prêmio, que é virar dono da terra”, critica Josep Iborra Plans, o Zezinho, da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Para Kleber Karicuna, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a esse conjunto de questões se somam as tentativas de criminalização da sociedade civil organizada. “Buscam criminalizar essas ações pra que o avanço do agronegócio e de empreendimentos em unidades de conservação e terras indígenas surja com mais força pra cima desses territórios”, ressalta.
Edição: Julia Chequer