Anvisa

"Excludente e elitizante", diz especialista sobre nova regra da cannabis medicinal

Segundo deputados e defensores da causa, a proibição ao plantio nacional impede que a nova regra beneficie os pacientes

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Princípios ativos presentes na planta de cannabis são benéficos no tratamento de diversas doenças
Princípios ativos presentes na planta de cannabis são benéficos no tratamento de diversas doenças - Fotos Públicas

A regulamentação para a produção e comercialização de medicamentos à base de cannabis, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi criticada por defensores da causa e deputados ouvidos pelo Brasil de Fato nesta terça-feira (3).

Segundo eles, a proibição ao plantio nacional, mantida pelos diretores da agência reguladora, dá poder às indústrias e mantém pacientes e associações sem direitos.

A tendência é de aumento nos preços, monopólio de empresas e restrições a composições necessárias ao tratamento de algumas doenças.

O presidente da comissão especial que discute o assunto na Câmara, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), disse que a norma trata os brasileiros como se fossem “um bando de irresponsáveis”.

"Restrita e limitada"

“Vamos ter que importar uma substância que nós poderíamos produzir aqui, de fácil produção. Ao mesmo tempo, [a regulamentação] estabelece um nível de THC baixo, quando, nos Estados Unidos, o nível de THC pode ser mais alto para algumas doenças. Também promove apenas um dos seguimentos do setor produtivo, que é a indústria”, opina.

O petista chamou de “restrita e limitada” a decisão da Anvisa. “Essa regulamentação exclui as cooperativas, exclui também o autoplantio. Achei muito limitada e essa comissão terá o condão de ampliá-la”, promete.

O relator da comissão, Luciano Ducci (PSB-PR), faz coro a Teixeira. “Não resolve o problema no uso dos medicamentos derivados da cannabis. Foi o que foi possível a Anvisa aprovar, pela posições de várias pessoas do governo, mas entendo que esta comissão vai ter um papel fundamental para poder estabelecer um marco regulatório na utilização do medicamento”, defende.

"Norma restritiva, excludente, elitizante"

O advogado Emílio Figueiredo, da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, classifica a regulamentação aprovada como elitista e “mais do mesmo”.

“A gente não vê com bons olhos. É uma norma da Anvisa restritiva, excludente, elitizante, que não dá acesso a ampla parte da população brasileira ao uso da cannabis como ferramenta terapêutica, que realmente mantém o controle dessa regulação não no âmbito social, mas no âmbito empresarial. A gente vê essa norma trazida hoje pela Anvisa como algo extremamente desconexa com a realidade brasileira”, reclama.

Para Figueiredo, a Anvisa cedeu a um lobby da empresas interessadas em lucrar com a cannabis.

“Essa normatização beneficia a indústria, as empresas, e não traz claramente benefício aos pacientes. Dizer que vai ter um produto produzido no Brasil não significa imediatamente um produto mais barato e mais acessível. O insumo continua sendo importado”, afirma. “A indústria farmacêutica tem um histórico de busca excessiva pelo lucro e não uma função social. A única solução que teria para equilibrar essa situação seria realmente uma produção nacional através de laboratórios públicos, onde se tiraria o lucro como objetivo”, sugere.

Pelo menos para fins terapêuticos e de pesquisa, a regulação do cultivo nacional seria benéfica

O biomédico e neurocientista Renato Filev, pesquisador do Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), defende que haja um fortalecimento da produção nacional, inclusive para possibilitar o acesso aos medicamentos por meio do SUS (Sistema Único de Saúde).

“Eu acho que seria muito melhor se o governo, por exemplo, regulasse a produção nacional, sobretudo para fins de pesquisa e para fins terapêuticos. A política de drogas tem uma questão social muito grave, bastante importante. A gente está vivendo um caos social, com uma política de segurança pública totalmente desordenada. Então, pelo menos para fins terapêuticos e de pesquisa, a regulação do cultivo nacional seria benéfica”, declara.

Filev vai além: para ele, a regulação completa da cannabis deveria abrir espaço para a liberação de outras substâncias consideradas ilícitas. “Eu acredito que uma regulação ampla da cannabis, e não só da cannabis, mas de todas as substâncias consideradas ilícitas, seria uma estratégia social mais inteligente para tentar romper com esse ciclo de violência, de racismo que a gente vive no Brasil por conta das drogas.”

A regulamentação

A Anvisa aprovou por unanimidade uma regulamentação provisória para o uso medicinal de produtos derivados da maconha. A norma passa a vigorar em 90 dias após publicação do Diário Oficial da União e deverá ser revisada em três anos.

Os diretores, no entanto, mantiveram a proibição ao cultivo nacional – ou seja, os insumos para os produtos regulamentados no Brasil deverão ser importados.  

A resolução impõe critérios para a fabricação e comercialização dos produtos exclusivamente pela indústria farmacêutica, com manipulação proibida. Não há qualquer liberação em relação ao uso não medicinal.

Os princípios ativos presentes na planta de cannabis – nome científico da maconha – com maior potencial para uso medicinal são o canabidiol (CBD) e o tetra-hidrocanabidiol (THC).

Edição: Rodrigo Chagas