A Justiça Federal barrou, nesta quarta-feira (4), a nomeação do novo presidente da Fundação Cultural Palmares, o jornalista Sérgio Camargo. Na decisão, o juiz Emanuel José Matias Guerra, da 18ª Vara Federal do Ceará, afirma ser possível “supor que a nova presidência, diante dos pensamentos expostos em redes sociais pelo gestor nomeado, possa atuar em perene rota de colisão com os princípios constitucionais da equidade, da valorização do negro e da proteção da cultura afro-brasileira”.
Camargo coleciona manifestações contrárias às demandas do movimento negro. Ele já chegou a afirmar, via redes sociais, que a escravidão teria sido “benéfica para os descendentes”, por exemplo. Esse é um dos motivos pelos quais sua indicação para o cargo vinha sendo duramente criticada por parlamentares, especialistas e integrantes de movimentos populares.
Nas redes sociais, o jornalista se define como “negro de direita” e contrário ao que chama de “vitimismo” e ao “politicamente correto”. Entre outras coisas, ele já mencionou que o país é marcado por um “racismo nutella” -- utilizado para diminuir a questão no Brasil -- e que “racismo real existe nos Estados Unidos”.
A decisão judicial que suspende a nomeação vem como resposta a uma ação popular movida pelo advogado cearense Helio de Sousa Costa contra a União e a Casa Civil, à qual a fundação é vinculada política e administrativamente.
No despacho dado nesta quarta, o juiz Matias Guerra destacou algumas das declarações de Camargo. Entre elas, o magistrado cita o fato de o jornalista ter chamado a filósofa e ativista Angela Davis de “comunista e mocreia assustadora”. A estadunidense é conhecida pelo ativismo em defesa de diferentes causas de direitos humanos, como, por exemplo, a luta contra o preconceito racial.
Para Matias Guerra, Sérgio Camargo comete “excessos” ao fazer esse tipo de manifestação. O magistrado também sublinha, por exemplo, que a Constituição Federal de 1988 “deu especial proteção à cultura brasileira, com respeito aos diferentes segmentos étnicos nacionais”.
Ele lembra ainda que “a atuação institucional da Fundação Palmares é toda voltada à promoção e à preservação da cultura afro-brasileira, além do combate ao racismo e da identificação e do reconhecimento dos remanescentes de comunidades quilombolas”. O magistrado aponta, nesse sentido, que a nomeação de Camargo seria desvio de finalidade e que gerou “clima de instabilidade institucional”.
A decisão judicial teve repercussão imediata por parte de diferentes parlamentares no Congresso Nacional, como é o caso do deputado Bira do Pindaré (PSB-MA), coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas. Ele anunciou a novidade no plenário da Câmara.
“Faço questão de ler um trecho da decisão do juiz. Ele diz assim: ‘Evidenciado que a nomeação do seu Sérgio Nascimento para o cargo contraria frontalmente os motivos determinantes para a criação daquela instituição e a põe em sério risco’. Viva a luta do povo negro”, comemorou.
Talíria Petrone (Psol-RJ), uma das coordenadoras da Frente Parlamentar com Participação Popular Feminista e Antirracista, disse ao Brasil de Fato que a decisão judicial é “uma vitória diante de um momento de muitos retrocessos”.
“É impossível alguém que acha que não há racismo no Brasil, onde o feminicídio é negro, a pobreza é negra, onde os homicídios vitimam mais negros. Não pode estar à frente de uma fundação que tem como papel justamente promover a cultura afro-brasileira”, afirmou, acrescentando que o discurso de Sérgio Camargo “ofende as lideranças negras”.
A nomeação do jornalista vinha sendo questionada também por meio de outros canais. Nos últimos dias, a titular da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, encaminhou à Procuradoria da República do Distrito Federal uma representação que pedia a anulação do ato de nomeação. A provocação foi feita inicialmente pelo Psol.
Edição: Vivian Fernandes