Opinião

Artigo | Bravata, intolerância, Bolsonaro

Com reputação em baixa e polarização em alta, Bolsonaro visitará a Índia em janeiro

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Bolsonaro retirou o Brasil do Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular da ONU
Bolsonaro retirou o Brasil do Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular da ONU - Foto: Evaristo Sá/AFP

Em janeiro, Jair Bolsonaro se tornará o terceiro presidente brasileiro a ser homenageado como convidado principal da celebração pelo Dia da República na Índia. Os dois primeiros chefes de governo do país a receberem o convite foram Fernando Henrique Cardoso (1996) e Luiz Inácio Lula da Silva (2004). Tanto FHC quanto Lula eram figuras respeitadas no cenário mundial e nenhum dos dois chegou a Nova Délhi imerso em polêmicas. Por outro lado, a popularidade de Bolsonaro no Brasil caiu vertiginosamente, enquanto sua reputação entre líderes internacionais é lamentável. Uma cultura de toxicidade permeia a coalizão do presidente brasileiro, cuja visão sobre mulheres e minorias e suas promessas e políticas ambientais e culturais destroem qualquer resquício de consenso no país.

No primeiro dia de seu mandato, Bolsonaro atacou a autonomia das comunidades indígenas brasileiras e deu ordens para a Ministra dos Direitos Humanos ignorar as demandas da população LGBTQ. Essas exigências atendiam a promessas de campanha feitas a dois dos três principais eleitorados do novo mandatário: primeiro, a bancada ruralista (informalmente chamada de “bancada do boi”), que há muito tempo deseja avançar sobre a Amazônia, onde grandes áreas estão sob o controle de povos indígenas. Segundo, a bancada evangélica conservadora (ou da “bíblia”), que nunca aceitou a realidade da comunidade LGBTQ. A terceira bancada, a da “bala”, se refere aos setores militaristas do país.

Aumento da pobreza, da fome e do ódio

Passado não muito tempo do início de seu mandato, Bolsonaro afirmou que falar sobre pobreza no Brasil era uma “grande mentira”. Mas isso vai de encontro com os dados do próprio governo, que indicam que 55 milhões de brasileiros (de uma população de 209 milhões) vivem na pobreza. Dados das Nações Unidas mostram que a fome, em grande parte erradicada no Brasil com o programa Fome Zero do governo Lula, está voltando no país. O atual governo não admite a realidade, negando seus próprios números, e, assim, não elabora uma política pública de credibilidade para lidar com problemas urgentes -- fome, falta de acesso à terra e desalento -- de uma grande parte da população.

Todo esse cenário é profundamente familiar. Na última década, em diferentes ritmos, partidos da extrema direita chegaram ao poder em todo o mundo. A maioria favorece uma forma de nacionalismo de direita imbuído de xenofobia e ódio pelas minorias e embebido de disputas antigas que não ajudam a resolver os problemas do presente. São formações políticas que fingem olhar para dentro, mas, na verdade, promovem uma globalização que beneficia um número muito restrito de pessoas.

Bolsonaro retirou o Brasil do Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular da Organização das Nações Unidas (ONU). Esse pacto se refere a uma abordagem liberal da ONU diante do aumento geral dos fluxos migratórios, tanto internos quanto externos, e pede que os países respeitem regras básicas fundamentadas na Carta da ONU. O que significa para um país como o Brasil ser retirado desse acordo? Significa que o Brasil não tem mais a obrigação de tratar os migrantes de forma digna, mas, mais que qualquer outra coisa, manda um sinal para aqueles que acreditam na ideologia de extrema direita no Brasil que a dignidade das pessoas migrantes não precisa mais ser reconhecida. A beligerância é o resultado de sair do pacto. A decisão de Bolsonaro nesse sentido espelha o desejo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de construir um muro no Vale do Rio Grande, e também do Registro Nacional de Cidadãos da Índia. É o ódio aos migrantes, aos supostos “intrusos” e a outras populações vulneráveis que evoca uma forma corrosiva de nacionalismo. Ódio mascarado de patriotismo. As bandeiras do país crescem em tamanho, o entusiasmo pelo hino nacional aumenta em decibéis.

Pauta privatista

Sob o ruído e a poeira das declarações chocantes de Bolsonaro jaz uma tentativa metódica da extrema direita de implementar políticas há muito tempo desejadas. Conseguiram “reformar” dispositivos da previdência e seguridade social, e agora querem solapar as leis trabalhistas e aumentar a jornada de trabalho. Bolsonaro quer leiloar as reservas de petróleo do Brasil e está disposto a instalar uma base militar dos EUA em Alcântara. Além disso, os incêndios na Amazônia não impediram o desejo do presidente de entregar áreas da floresta para o bloco ruralista. A maioria dos brasileiros está contra o governo, mas não conseguiu se unir efetivamente contra ele. Muitos ainda estão balançando a cabeça, sem acreditar que Bolsonaro é presidente.

Na última eleição presidencial, as pesquisas de intenção de voto deixavam clara a preferência pelo retorno de Lula à presidência. Mas uma série misteriosa de acontecimentos levou à prisão do ex-presidente por corrupção com base em provas extremamente frágeis. Acontece que, agora, sabe-se que o procurador e o juiz do caso de Lula podem ter conspirado para prendê-lo, o que desorientou a esquerda e deu a Bolsonaro uma abertura política. No entanto, depois de 580 preso, Lula ganhou a liberdade. E o petista agora está viajando pelo país, falando para multidões, construindo a resistência contra a pauta tóxica de Bolsonaro.

* Vijay Prashad, Renata Porto Bugni e André Cardoso trabalham no Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

Edição: Daniel Giovanaz | Tradução: Aline Scátola