Na data que marca os 71 anos da declaração Universal dos Direitos Humanos, 124 instituições e mais de 500 ativistas, artistas, cientistas, promotores públicos e jornalistas denunciaram que a democracia brasileira está em risco, em carta apresentada na COP-25 – conferência do clima da ONU --, que ocorre em Madri até o dia 13 de dezembro.
O documento faz um alerta para a escalada autoritária em andamento no país e cita diretamente o governo de Jair Bolsonaro.
“Não é aceitável conviver diariamente com ataques do Presidente da República, de seus ministros e auxiliares à imprensa livre, a organizações independentes e a direitos fundamentais individuais e coletivos.”
O secretário executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, destaca a importância de não naturalizar casos de perseguição a organizações da sociedade civil e de violência policial, como o que ocorreu recentemente em Paraisópolis.
"Movimentos parecidos com esses ou processos parecidos com esses ocorreram em outros países em que governos eleitos democraticamente adotaram medidas autoritárias, e isso foi levando à perda dos direitos, à perda dos espaços democráticos, dos pilares de democracias", explica o ativista.
Um dos temas debatidos na Conferência do Clima é a implementação do Acordo de Paris. O pacto prevê um conjunto de metas para a redução da emissão de gases do efeito estufa. Rittl pontua, porém, que a discussão não é somente ambiental, mas passa também pela questão dos direitos humanos e dos povos indígenas, por exemplo.
“É um processo extremamente importante do ponto de vista da participação da sociedade civil global. Então é muito importante que utilize-se essa oportunidade para falar do que está acontecendo [no Brasil]. Não é apenas o meio ambiente que está em risco, são vidas que estão sendo perdidas violentamente”, acrescenta.
A carta apresentada na COP-25 destaca ainda outros ataques aos direitos humanos, como o genocídio contra a população negra e periférica, a criminalização de movimentos sociais, o desmonte da pesquisa e de espaços cívicos e a censura à produção cultural.
“Os rumos que estão sendo tomados pelo Brasil atual são extremamente preocupantes. Pela primeira vez, em mais de três décadas, vemos demonstrações de retrocesso em algumas liberdades fundamentais duramente conquistadas.”
Lançada no Brazil Climate Action Hub, a carta é assinada por sete ex-ministros das gestões de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, além de instituições de defesa do meio ambiente, da educação, representantes das igrejas cristãs no Brasil e de membros do Ministério Público (clique aqui para acessar o documento com todas as assinaturas).
Leia a íntegra da carta:
Não existe democracia sem sociedade civil livre. É por meio de cidadãos atuantes e vigilantes que políticas são aprimoradas, desvios são denunciados e governantes são fiscalizados. Foi por meio da atuação de organizações da sociedade civil que o Brasil conseguiu reduzir drasticamente a mortalidade infantil, a miséria extrema e o desmatamento perdulário de suas florestas e tomar medidas cruciais contra a corrupção e pela transparência no poder público.
Qualquer regime no qual a sociedade não possa se manifestar livremente, sem receio de ser retaliada por sua atuação legítima, é um regime autoritário.
Há 35 anos, embalado num gigantesco movimento popular, o Brasil encerrava uma longa ditadura militar. Imaginava, com isso, haver deixado para trás, de forma definitiva, o uso do Estado para perseguições políticas e prisões arbitrárias de ativistas realizadas sem base em provas ou qualquer espécie de julgamento. Imaginava que, enfim, a liberdade teria vindo para ficar.
Porém, os rumos que estão sendo tomados pelo Brasil atual são extremamente preocupantes. Pela primeira vez, em mais de três décadas, vemos demonstrações de retrocesso em algumas liberdades fundamentais duramente conquistadas. Por exemplo, integrantes do Governo Federal declaram sua simpatia a instrumentos que restringiram a liberdade e direitos políticos e civis no período ditatorial; o governo envia ao Parlamento um projeto de lei que evita a punição de forças policiais que venham a matar manifestantes; ativistas ambientais são presos e têm suas casas invadidas e organizações da sociedade civil têm seus escritórios vasculhados por policiais com base em acusações e mandatos judiciais desprovidos de fundamentos fáticos.
Passa da hora de toda a sociedade brasileira dizer claramente: não toleraremos afrontas a nossos princípios democráticos! Não é aceitável conviver diariamente com ataques do Presidente da República, de seus ministros e auxiliares à imprensa livre, a organizações independentes e a direitos fundamentais individuais e coletivos. Não é aceitável conviver diariamente com massacres da população de maioria negra das nossas favelas e periferias, executados ou tolerados pelas forças de segurança pública que deveriam protegê-las. Não é aceitável ver manobras do poder público para fechar espaços cívicos. Não é aceitável a censura à cultura e à pesquisa.
Por essa razão, manifestamos nossa solidariedade e nosso apoio às instituições e pessoas que têm sido vítimas de abusos das autoridades e que fazem seu papel de enfrentamento dos desmandos e de preservação da nossa democracia e da ordem constitucional: as organizações da sociedade civil; a imprensa; o Congresso Nacional; o Ministério Público; os povos indígenas e as populações tradicionais; os servidores públicos das áreas científica, cultural e socioambiental; os professores e as universidades públicas.
Nossa democracia foi duramente reconquistada há apenas 35 anos. Não permitiremos que ela seja destruída mais uma vez.
Edição: Rodrigo Chagas