O Brasil que sairá do período que estamos vivenciando está em disputa hoje
Em um mundo abalado pelas experiências de guerras, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, marcou o acordo sobre um enunciado abrangente de direitos inalienáveis. Desde 1950, o dia 10 de dezembro é a data escolhida para comemorar o Dia Internacional dos Direitos Humanos, abordado a partir de uma temática escolhida.
Incluindo direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, a Declaração reconhece na dignidade humana o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, e a data serve substancialmente para recordar a necessidade de lutar por ações concretas no sentido de garantir políticas orientadas por princípios a serem observados incondicionalmente.
Em seu aniversário de 71 anos, completados nesta terça-feira (10), a senhora Declaração se encontra em um mundo em que os valores os quais apregoa estão cada dia mais relativizados, descuidados, esquecidos, ou em processo de franca revisão por meio de alterações do texto das Constituições nacionais, leis federais, interpretações jurisprudenciais ou, pior, simplesmente negados em nações onde grupos políticos de extrema-direita. Alguns representares que ascenderam ao poder, como no Brasil, reivindicam valores totalitários e ultraconservadores.
O discurso contra os direitos humanos, marca da trajetória política do presidente eleito Jair Bolsonaro, inclusive durante a campanha eleitoral de 2018, se concretizou em ações que ameaçam e violam os direitos de todas as pessoas no Brasil. A composição do governo a partir de janeiro de 2019 tem à frente de suas pastas mulheres e homens cujo pensamento contradizem as políticas públicas que deveriam concretizar.
O exemplo mais recente é do indicado presidente da Fundação Palmares, o jornalista Sérgio Camargo, um homem negro profundamente racista, cujas afirmações de que no Brasil não existe "racismo real”, que a escravidão foi "benéfica para os descendentes" e que o movimento negro precisa ser "extinto", levaram o Judiciário a suspender a nomeação.
A ministra dos Direitos Humanos, pastora Damares Alves, apresentou como primeira proposição, logo após tomar posse, a criação de uma bolsa a ser paga às mulheres que decidirem não interromper a gravidez resultante de estupro. Ela faz do exercício do cargo público uma pregação, com frases de impacto que vão de seu diálogo com Jesus em um pé de goiaba quando criança, a de que “é o momento de a igreja governar”, ignorando completamente o Estado laico.
A gestão do país está entregue às pessoas que, além de não distinguirem a realidade das suas visões de fundo religioso, não diferenciam sua fé, seus preconceitos e visões particulares da construção de uma política pública.
Nos temas mais afeitos aos Direitos Humanos, os ministros do governo brasileiro forjam monstros para seguir justificando atitudes desconectadas da realidade. Damares, por exemplo, disparou em um evento conservador: “estou aqui há 24 horas e ninguém me ofereceu ainda um cigarro de maconha e nenhuma menina introduziu um crucifixo na vagina”, em uma frase bizarra e desconexa, procurando insinuar que em eventos de esquerda isso acontece. Sua fala indica que há um outro ameaçador do lado de fora, uma erva daninha que precisa ser extirpada.
De modo parecido funcionam as diversas falas sobre as vítimas de crimes, quando o intuito é aumentar penas e o encarceramento.
É o discurso construído com o bem. Ou do ódio, se assim se preferir. E não importa que não tenha lógica, precisa ter meta e impacto, precisa ter público e ser amplificado nas redes sociais. Porque esses são os defensores dos “direitos humanos para humanos direitos”, jargão usado para quem não deseja compreender nem a diferença nem a igualdade, pois aponta que os marcos civilizatórios são descartáveis.
O governo de Bolsonaro prega as concepções utilizadas na fundação das experiências totalitárias, em que os humanos só existem na condição de meios para seus fins. Com a pretensão alucinada de domínio total sobre as pessoas, de negação da pluralidade e das diferenças que caracterizam a condição humana.
O Brasil que sairá do período que estamos vivenciando está em disputa hoje, e nossas ações e omissões cotidianas dizem muito. Precisamos buscar o ideal político para retomar nossa experiência de democracia. O desafio é efetivar o pacto dos direitos fundamentais, reconhecendo o intolerável como um limite para além do qual o caminho será o absolutismo.
Edição: Julia Chequer