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O que esperar de 2020

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ncêndios na região de Altamira, no Pará, uma das dez cidades amazônicas com maior índice de desmatamento por meio de queimadas no Brasil
ncêndios na região de Altamira, no Pará, uma das dez cidades amazônicas com maior índice de desmatamento por meio de queimadas no Brasil - Joao Laet / AFP
Para a esquerda, os desafios são mais complexos do que “apenas” vencer as eleiçõ

Chegamos à última edição do Ponto em 2019. Até aqui, nós e o Brasil sobrevivemos a um ano difícil. Nesta edição, além do balanço da semana, tentamos visualizar algumas questões que devem permanecer entre os pontos de atenção para o próximo ano. Vamos lá.

1. É polarização sim que chama. Assim como terminamos este ano, 2020 deverá ser um ano de polarização entre o bolsonarismo e, finalmente, uma oposição, representada pela volta de Lula. O cenário será sim de polarização. Analisando a pesquisa Veja/FSB, os números confirmam as opiniões divididas em polos extremos e deixam neste momento pouco espaço real a alternativas. No fim das contas, Bolsonaro terminou o ano cumprindo o que se comprometeu: consolidar seu terço do eleitorado, suficiente para almejar uma futura reeleição. Como nota Thomas Traumman, a soltura de Lula não levou milhares às ruas, nem provocou radicalizações violentas como os militares temiam, mas está recompondo a relação de Bolsonaro com a elite. Os indiferentes ou ”não-polarizados” são apenas 11%, aqueles que não aprovam ou não desaprovam o governo. Mas, afinal de contas, desde quando polarizar com o fascismo é errado? O melhor seria compactuar? O primeiro round desta polarização serão, obviamente, as eleições municipais. Ainda que não se sabe se Bolsonaro irá disputá-las com o seu novo partido ou não, por maior que seja a ajudinha que ele esteja recebendo.

No apagar das luzes deste ano, Bolsonaro está tendo que lidar mais uma vez com um esqueleto no armário: o caso Queiroz, que parecia abafado, voltou à tona. O Ministério Público emitiu 24 mandados de busca e apreensão ligados à apuração sobre a prática de desvio de recursos de assessores do gabinete de Flávio Bolsonaro, operado por Fabrício Queiroz. Estão sendo investigados crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa. O esquema envolvia a lavagem de dinheiro com a compra de imóveis e até com uma loja de chocolates. Mais do que isso, Queiroz e Flávio seriam as ligações financeiras entre o clã Bolsonaro e as milícias cariocas. Inclusive com o Escritório do Crime, prováveis assassinos de Marielle Franco: a a mãe e a esposa de Adriano da Nóbrega, ex-capitão do Bope, provável chefe deste milícia, eram lotadas no gabinete de Flávio por indicação de Queiroz.

2. A resiliência da Lava Jato. Neste cenário conservador, o único nome consistente fora da dualidade Lula x Bolsonaro não é uma alternativa de centro, ao contrário: como alertamos na edição passada, Sérgio Moro parece ter assumido definitivamente e publicamente sua versão política e ensaia a candidatura para 2022, como o anti-Lula e como mais confiável que Bolsonaro. Moro e a Lava Jato sobreviveram ao seu pior ano e ensaiam uma contra-ofensiva. Com o debate da suspeição de Moro remetida para o próximo ano, não é surpresa que o STF seja mais uma vez alvo dos ataques da turma de Curitiba. Por outro lado, depois da volta do Caso Queiroz, está sendo cogitando seriamente retirar a PF das mãos de Moro, com Bolsonaro mais uma vez irritado com a falta de lealdade de Ministro no seu tema mais sensível, os negócios familiares. A ideia seria recriar o Ministério da Segurança Pública, entregando o comando da PF para um aliado mais confiável.

3. Os alvos de sempre. Para 2020, os sinais são de que o meio ambiente continuará sob ataque. O governo planeja para 2020 uma investida contra os temas da legislação ambiental que apenas ensaiou, mas ainda não levou a cabo, como a flexibilização do licenciamento, garimpo e do agronegócio em terras indígenas e o fim da moratória da soja, com prejuízos ainda maiores para a imagem e a inserção internacional do Brasil. Acabar com as reservas indígenas, aliás, se tornou agora a solução até para a redução do preço da carne. Mesmo que o ministro Weintraub caia, a Educação, por motivos ideológicos e orçamentários também deve permanecer sob ataques. Seja do governo e a tentativa de retomar o Future-se, seja da base de apoio ideológico, como a proposta da Escola sem Partido.

4. Dias piores virão. Todos os sinais são de que a desigualdade deve aumentar e que, com ou sem crescimento, o resultado não vai chegar no andar de baixo, apesar de depender de quem está nele. De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ao todo, 51,8% dos brasileiros mais pobres não tiveram ou perderam rendimentos entre janeiro e setembro de 2019. Aliás, Paulo Guedes deixou claro com todas as letras que “não olhe para nós procurando o fim da desigualdade social”. Porém, como chamamos a atenção na edição passada, mesmo com desempenho pífio da economia, o mercado tem comemorado os números e apostado num crescimento, baixo, lento e restrito ao andar de cima. Ou seja, nada deve mudar na economia - austeridade fiscal e privatizações, em especial seguindo o desmonte da Petrobras - mas com esta estranha sensação de que “parou de piorar” ou que “está melhorando”, como a criação de 99.232 vagas com carteira assinada em novembro, resultado positivo pelo oitavo mês consecutivo e o melhor saldo para o mês desde 2010. No comércio, cresceram timidamente apenas os setores de bens essenciais, alimentação e saúde. Mais e piores empregos combinados com o aumento do custo de vida, como a escalada do preço da carne, devem alimentar esta sensação. Colateralmente, o desempenho ruim da economia é engrenagem para aumentar os fiéis de religiões neopentecostais, fechando o ciclo da base ideológica do governo: farialimers e pastores. Como aprendemos também neste ano, austeridade fiscal e ultraliberalismo na economia não são coisas a parte, mas são justamente estas políticas econômicas que exigem políticas repressivas.

6. Dias melhores virão? Para a esquerda, os desafios são mais complexos do que “apenas” vencer as eleições municipais. Como alerta Tarso Genro, depois de uma agressão fascista, o Estado de Direito não voltará a ser mais o mesmo. Ou será outro ou será o caos. Há um arcabouço político e jurídico montado para que nenhum projeto progressista retorne. Segundo, depois do ultraliberalismo, o nacional-desenvolvimentismo será uma miragem no passado; e, por fim, se a esquerda e os democratas autênticos não se unirem na diferença, as massas alienadas do trabalho regular e dispersas pela cultura do mercado, se deslocarão para o autoritarismo de direita em busca de socorro. Vide as lições da derrota do trabalhismo no Reino Unido: os britânicos estão revoltados, em especial trabalhadores de renda baixa, mas essa revolta se transforma em voto pelo brexit, contra imigrantes, em adesão a ideias autoritárias, em desconfiança de elites tecnocráticas, intelectuais e políticas. Ou seja, há muitas frentes de luta, seja enfrentar as guerras culturais, seja no campo econômico. O caso é que, em todas as frentes, é preciso ter propostas claras e chegar a quem precisa ouvi-las, recuperando o terreno perdido nos últimos anos com quem deixou de acreditar num projeto democrático e mais igualitário. 

E o Ponto?

O Ponto é um projeto nascido ainda em 2018, em parceria com o Brasil de Fato, na tentativa de organizar em uma newsletter semanal o turbilhão de informações políticas dos tempos atuais, contextualizando os acontecimentos mais importantes e antecipando o que está por vir. Já são 72 edições, desde julho de 2018.

Entre acertos e erros, acreditamos que a avaliação é positiva. Este também é um momento para agradecermos a todos e todas que leem e compartilham o Ponto entre seus contatos. Vamos fazer uma breve pausa e retornamos em janeiro de 2020, com novas ideias para qualificar o material que chega em sua caixa de entrada toda sexta-feira. Por isso, fique à vontade para nos responder a este e-mail com sua opinião e sugestões para as futuras edições. Continuem recomendando o Ponto para os amigos. Desejamos boas festas e bons momentos entre amigos e familiares, porque isso também é muito importante.

Edição: Julia Chequer