Para a esquerda, os desafios são mais complexos do que “apenas” vencer as eleiçõ
Chegamos à última edição do Ponto em 2019. Até aqui, nós e o Brasil sobrevivemos a um ano difícil. Nesta edição, além do balanço da semana, tentamos visualizar algumas questões que devem permanecer entre os pontos de atenção para o próximo ano. Vamos lá.
1. É polarização sim que chama. Assim como terminamos este ano, 2020 deverá ser um ano de polarização entre o bolsonarismo e, finalmente, uma oposição, representada pela volta de Lula. O cenário será sim de polarização. Analisando a pesquisa Veja/FSB, os números confirmam as opiniões divididas em polos extremos e deixam neste momento pouco espaço real a alternativas. No fim das contas, Bolsonaro terminou o ano cumprindo o que se comprometeu: consolidar seu terço do eleitorado, suficiente para almejar uma futura reeleição. Como nota Thomas Traumman, a soltura de Lula não levou milhares às ruas, nem provocou radicalizações violentas como os militares temiam, mas está recompondo a relação de Bolsonaro com a elite. Os indiferentes ou ”não-polarizados” são apenas 11%, aqueles que não aprovam ou não desaprovam o governo. Mas, afinal de contas, desde quando polarizar com o fascismo é errado? O melhor seria compactuar? O primeiro round desta polarização serão, obviamente, as eleições municipais. Ainda que não se sabe se Bolsonaro irá disputá-las com o seu novo partido ou não, por maior que seja a ajudinha que ele esteja recebendo.
No apagar das luzes deste ano, Bolsonaro está tendo que lidar mais uma vez com um esqueleto no armário: o caso Queiroz, que parecia abafado, voltou à tona. O Ministério Público emitiu 24 mandados de busca e apreensão ligados à apuração sobre a prática de desvio de recursos de assessores do gabinete de Flávio Bolsonaro, operado por Fabrício Queiroz. Estão sendo investigados crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa. O esquema envolvia a lavagem de dinheiro com a compra de imóveis e até com uma loja de chocolates. Mais do que isso, Queiroz e Flávio seriam as ligações financeiras entre o clã Bolsonaro e as milícias cariocas. Inclusive com o Escritório do Crime, prováveis assassinos de Marielle Franco: a a mãe e a esposa de Adriano da Nóbrega, ex-capitão do Bope, provável chefe deste milícia, eram lotadas no gabinete de Flávio por indicação de Queiroz.
2. A resiliência da Lava Jato. Neste cenário conservador, o único nome consistente fora da dualidade Lula x Bolsonaro não é uma alternativa de centro, ao contrário: como alertamos na edição passada, Sérgio Moro parece ter assumido definitivamente e publicamente sua versão política e ensaia a candidatura para 2022, como o anti-Lula e como mais confiável que Bolsonaro. Moro e a Lava Jato sobreviveram ao seu pior ano e ensaiam uma contra-ofensiva. Com o debate da suspeição de Moro remetida para o próximo ano, não é surpresa que o STF seja mais uma vez alvo dos ataques da turma de Curitiba. Por outro lado, depois da volta do Caso Queiroz, está sendo cogitando seriamente retirar a PF das mãos de Moro, com Bolsonaro mais uma vez irritado com a falta de lealdade de Ministro no seu tema mais sensível, os negócios familiares. A ideia seria recriar o Ministério da Segurança Pública, entregando o comando da PF para um aliado mais confiável.
3. Os alvos de sempre. Para 2020, os sinais são de que o meio ambiente continuará sob ataque. O governo planeja para 2020 uma investida contra os temas da legislação ambiental que apenas ensaiou, mas ainda não levou a cabo, como a flexibilização do licenciamento, garimpo e do agronegócio em terras indígenas e o fim da moratória da soja, com prejuízos ainda maiores para a imagem e a inserção internacional do Brasil. Acabar com as reservas indígenas, aliás, se tornou agora a solução até para a redução do preço da carne. Mesmo que o ministro Weintraub caia, a Educação, por motivos ideológicos e orçamentários também deve permanecer sob ataques. Seja do governo e a tentativa de retomar o Future-se, seja da base de apoio ideológico, como a proposta da Escola sem Partido.
4. Dias piores virão. Todos os sinais são de que a desigualdade deve aumentar e que, com ou sem crescimento, o resultado não vai chegar no andar de baixo, apesar de depender de quem está nele. De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ao todo, 51,8% dos brasileiros mais pobres não tiveram ou perderam rendimentos entre janeiro e setembro de 2019. Aliás, Paulo Guedes deixou claro com todas as letras que “não olhe para nós procurando o fim da desigualdade social”. Porém, como chamamos a atenção na edição passada, mesmo com desempenho pífio da economia, o mercado tem comemorado os números e apostado num crescimento, baixo, lento e restrito ao andar de cima. Ou seja, nada deve mudar na economia - austeridade fiscal e privatizações, em especial seguindo o desmonte da Petrobras - mas com esta estranha sensação de que “parou de piorar” ou que “está melhorando”, como a criação de 99.232 vagas com carteira assinada em novembro, resultado positivo pelo oitavo mês consecutivo e o melhor saldo para o mês desde 2010. No comércio, cresceram timidamente apenas os setores de bens essenciais, alimentação e saúde. Mais e piores empregos combinados com o aumento do custo de vida, como a escalada do preço da carne, devem alimentar esta sensação. Colateralmente, o desempenho ruim da economia é engrenagem para aumentar os fiéis de religiões neopentecostais, fechando o ciclo da base ideológica do governo: farialimers e pastores. Como aprendemos também neste ano, austeridade fiscal e ultraliberalismo na economia não são coisas a parte, mas são justamente estas políticas econômicas que exigem políticas repressivas.
6. Dias melhores virão? Para a esquerda, os desafios são mais complexos do que “apenas” vencer as eleições municipais. Como alerta Tarso Genro, depois de uma agressão fascista, o Estado de Direito não voltará a ser mais o mesmo. Ou será outro ou será o caos. Há um arcabouço político e jurídico montado para que nenhum projeto progressista retorne. Segundo, depois do ultraliberalismo, o nacional-desenvolvimentismo será uma miragem no passado; e, por fim, se a esquerda e os democratas autênticos não se unirem na diferença, as massas alienadas do trabalho regular e dispersas pela cultura do mercado, se deslocarão para o autoritarismo de direita em busca de socorro. Vide as lições da derrota do trabalhismo no Reino Unido: os britânicos estão revoltados, em especial trabalhadores de renda baixa, mas essa revolta se transforma em voto pelo brexit, contra imigrantes, em adesão a ideias autoritárias, em desconfiança de elites tecnocráticas, intelectuais e políticas. Ou seja, há muitas frentes de luta, seja enfrentar as guerras culturais, seja no campo econômico. O caso é que, em todas as frentes, é preciso ter propostas claras e chegar a quem precisa ouvi-las, recuperando o terreno perdido nos últimos anos com quem deixou de acreditar num projeto democrático e mais igualitário.
E o Ponto?
O Ponto é um projeto nascido ainda em 2018, em parceria com o Brasil de Fato, na tentativa de organizar em uma newsletter semanal o turbilhão de informações políticas dos tempos atuais, contextualizando os acontecimentos mais importantes e antecipando o que está por vir. Já são 72 edições, desde julho de 2018.
Entre acertos e erros, acreditamos que a avaliação é positiva. Este também é um momento para agradecermos a todos e todas que leem e compartilham o Ponto entre seus contatos. Vamos fazer uma breve pausa e retornamos em janeiro de 2020, com novas ideias para qualificar o material que chega em sua caixa de entrada toda sexta-feira. Por isso, fique à vontade para nos responder a este e-mail com sua opinião e sugestões para as futuras edições. Continuem recomendando o Ponto para os amigos. Desejamos boas festas e bons momentos entre amigos e familiares, porque isso também é muito importante.
Edição: Julia Chequer