Em meio ao recesso letivo e sem consulta aos setores da área, Jair Bolsonaro editou uma Medida Provisória (MP) que altera o processo de escolha dos reitores das universidades federais brasileiras. Publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) no dia 24 de dezembro, o texto eliminou a possibilidade de consulta paritária à comunidade acadêmica para a escolha do gestor da instituição.
Com a medida, passa a ser obrigatório o peso de voto de 70% para a categoria dos docentes, enquanto técnico-administrativos e estudantes terão 15% por categoria, respectivamente. A regra já existia na legislação anterior, mas havia a possibilidade de consulta paritária dentro de cada instituição -- tradição democrática seguida pela maiorias das federais.
A partir do resultado, obtido por média ponderada, uma lista tríplice deve ser encaminhada a Bolsonaro, que tem liberdade para nomear um dos três nomes, independentemente da vontade da maioria.
:: MP de Bolsonaro que muda regras para escolha de reitores agride a democracia ::
Embora a lei permita que o presidente da República escolha qualquer um dos três nomes, os governos Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT) sempre nomearam o primeiro da lista. Bolsonaro, por sua vez, alterou este cenário logo no primeiro ano de gestão: o governo interveio em 6 de 12 nomeações de reitores de universidades federais até agosto deste ano. Em maio, Abraham Weintraub, ministro da Educação, indicou o que essa postura tinha relações com questões políticas.
Em entrevista ao Brasil de Fato, João Carlos Salles, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais do Ensino Superior (Andifes), critica a edição da MP 914/2019.
“O atual governo não preza pela vontade majoritária das comunidades universitárias. Isso agride a democracia, a autonomia das universidades, que devem ser capazes de exercitar sua sabedoria, sua reflexão sobre seu destino e sobre quem melhor as representas”, afirma Salles.
Ele lamenta a falta de diálogo e a manobra utilizada pelo governo. “A comunidade não foi consultada, as universidades não foram consultadas, a Andifes não foi consultada. É muito estranho usar o expediente de uma Medida Provisória, que é um recurso justificado em situações de emergência e de relevância específica, temporária, que exige um posicionamento. Não é o caso”, desaprova o representante da Andifes.
O texto tem força de lei a partir do momento da aprovação, mas precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional no prazo de 120 dias. Caso não seja apreciado neste período, perde a validade.
Outras mudanças
A MP também designa ao reitor aprovado pelo presidente a escolha de seu vice e dos diretores gerais dos campi e das unidades. Antes, os gestores eram escolhidos por meio de eleição direta e o vice compunha chapa com o candidato a reitor.
“A consulta se torna impositiva, os conselhos perdem o papel de mediação da vontade coletiva e, além disso, pessoas eventualmente nomeadas passam a contar com um dispositivo pouco democrático. O reitor pode escolher, arbitrariamente, sem ouvir a comunidade. Isso é indesejável. Diminui a qualidade democrática, reflexiva, de nossas gestões”, avalia Salles, que também é reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
“A universidade deve ser capaz de decidir os critérios dos quais vai se servir para a escolha dos dirigentes. A medida provisória se impõe sobre a vontade da comunidade de forma restritiva e abusiva”, endossa.
Para além das universidades, as mudanças também atingem institutos federais e o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro.
No caso dos institutos federais, a possibilidade de intervenção por parte do governo é ainda maior. Antes da MP, os institutos realizavam votações paritárias e encaminhavam apenas um nome à presidência, mas agora deverão formar uma lista tríplice, como as universidades.
Em nota, a deputada federal Margarida Salomão (PT-MG), coordenadora da Frente Parlamentar Mista pela Valorização das Universidades Federais, classificou a medida como “uma afronta gravíssima a autonomia universitária”.
“É preciso registrar que não há emergência, relevância, nem qualquer outro requisito constitucional que justifique a intervenção desenhada pelo governo através de Medida Provisória”, diz o texto. “O timing também é absurdo. Ao enviar uma medida com alterações profundas no processo de escolha dos dirigentes universitários, em edição extra do Diário Oficial em pleno dia 24 de dezembro, Bolsonaro parece buscar não chamar atenção para a iniciativa”.
Salomão também critica a falta de diálogo com a comunidade acadêmica e entidades do setor que serão diretamente afetadas com as alterações. “Deste modo, a iniciativa é imprópria, inadequada, autoritária e, especialmente, inconstitucional. Rejeitamos tudo isto”. No texto, a coordenadora da Frente Parlamentar acrescenta que irá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para denunciar a ilegalidade do texto.
A MP de Bolsonaro também estende aos candidatos as proibições previstas na Lei da Ficha Limpa e estabelece que os reitores não poderão mais ser reeleitos.
Segundo João Carlos Salles, as federais continuarão a defender a universidade como lugar de resistência ao obscurantismo, ao preconceito e ao autoritarismo. “Essa luta é uma luta que vai independer, inclusive, das formas de eleição. Nós a temos travado todos os dias”, finaliza.
Edição: Daniel Giovanaz