O que é pornográfico para um, é sagrado para outro. Assim é a vida
Na primeira metade do século passado, sem muito o que fazer enquanto aguardavam a volta de Cristo, moradores do Norte da Suécia decidiram que o melhor jeito de esperar Jesus seria fazendo sexo dentro da igreja. Inclusive sexo homossexual e extraconjugal. Tudo com autorização de Deus, segundo consta no livro Sexo e Religião, de Dag Oistein Endjso.
Nesta comunidade sueca, só havia uma regra para o sexo na igreja: os pelos púbicos deveriam estar bem penteados. Para isso, deram a missão para uma jovem mulher da comunidade. Nua, ela passava pelos bancos da igreja com um pente, ajustando as coisas antes do sexo começar. O objetivo do ritual era alcançar a libertação.
Libertação é assunto complicadíssimo. Em muitas religiões, uma pessoa sexualmente livre não serve para integrar o rebanho, principalmente se for mulher. O domínio das igrejas sobre o corpo é fundamental para manter o poder sobre as mentes.
Durante séculos, a Inquisição queimou mulheres para manter seus corpos sob os desígnios de enviados de Deus, homens depravados até o último fio de cabelo. Há pelo menos três mil anos mulheres e homossexuais são alvos prediletos desses facínoras.
É nesse caldo de cultura que nasce o atentado a bomba contra a produtora do Porta dos Fundos. O problema seria um filme que representa um Cristo homossexual.
O atentado regurgita séculos de doutrinação homofóbica e machista. Os autores do atentado são operários dessa estrutura conservadora, que dita as palavras insanas que saem da boca de Eduardo Fauzi, identificado como um dos autores do crime.
O que realmente importa?
Se aqui estivessem, os religiosos do Norte da Suécia diriam o seguinte sobre o filme do Porta dos Fundos: “Que troço chato. Ninguém transa no filme. Vamos voltar ao que interessa.” E diriam mais: “prendam logo os criminosos”.
O que realmente interessa não é a orientação sexual de Cristo. O que está em jogo é a liberdade de expressão.
Por que diabos os mercadores da fé devem impor orientação de gênero a Cristo? Impor orientação de gênero ao amor ao divino? Ora, amor imposto não é amor, é ódio.
Jesus, para quem crê, pode ser qualquer coisa. Pode ser homem, mulher, transexual. Jesus pode ser o que você quiser. A fé é tua, o sentido sígnico é teu.
Deus é a cultura. Jesus Cristo é o sentido. A fé é a crença no ente. Este é o mistério da Santíssima Trindade.
Liberdade de expressão
Até hoje, em Kawasaki, no Japão, festivais xintoísta veneram falos gigantes pintados de negro ou de vermelho, conduzidos por sacerdotes em procissão. No século XVII, cristãos entoavam salmos sobre o pênis de Jesus. No tantrismo hindu, sexo homossexual é tão natural quanto o nascer do dia.
O que é pornográfico para um, é sagrado para outro. Assim é a vida. Não dá para calar a voz de quem pensa diferente ou de quem crê diferente. Não dá para calar a liberdade de expressão.
Ódio é medo do amor. Amor é a cura do ódio.
Ao contrário do que nos tentam impor os mercadores, fé não é consentimento sem pensar. Não é abaixar a cabeça e aceitar a unção. Tomás de Aquino nos ensina que fé é intelecto, é razão, é pensamento. Fé é cultura.
Veja essa perseguição a Paulo Freire e a sua pedagogia crítica, de consciência com liberdade. Tudo faz parte do mesmo pacote. Por isso é preciso resistir. A resistência se faz agora. Depois, pode ser tarde demais.
Edição: Julia Chequer