Enquanto o imbróglio sobre a obrigatoriedade do registro no Ministério do Trabalho para profissões da área de comunicação não se resolve, recém-graduados que buscam vagas de emprego são barrados por empresas que mantêm a exigência. A extinção do registro integra a medida provisória que ficou conhecida como Medida Provisória (MP) do contrato Verde e Amarelo.
A MP atingiu 13 profissões, que não terão mais os seus registros profissionais emitidos: corretor de seguros; guardador e lavador de carro; publicitário e agenciador de propaganda; jornalista; radialista; atuário; sociólogo; arquivista e técnico em arquivo; músico; estatístico; secretário; aeronauta; e químico.
Mesmo com o texto ainda em discussão em comissão especial no congresso, superintendências Regionais do Trabalho deixaram de emitir o registro. Moradora do interior de São Paulo, a jornalista Nayara Francesco, viajou até a capital para tirar o documento. Ela chegou a fazer o agendamento pelo sistema online do Ministério do Trabalho, que continuava disponível, mas no local foi surpreendida pela informação de que servidores públicos estão proibidos efetuar a emissão.
“Eu imprimi todos os requerimentos necessários, peguei todos os documentos necessários, cheguei no ministério do trabalho e fui orientada a ir até o local onde se faz o registro. Quando cheguei lá e falei que a profissão para a qual faria o registro, uma servidora pública me informou que essa era uma das profissões para as quais não se faria mais o registro. Eu questionei a informação e ela me deu um papel que dizia que, por conta do texto da presidência da República, nenhum funcionário público poderia efetuar os registros, sob risco de ser exonerado”.
Além da frustração pela viagem perdida, a não emissão do registro também trouxe prejuízos profissionais a Nayara. Ela afirma que perdeu oportunidades em TVs, jornais impressos e portais de notícias que exigem o registro.
“É compreensível que as empresas exijam o registro, para evitar maus profissionais no mercado e como jornalista eu sei que é importante. Mas, com a MP, eu não consegui tirar e está difícil me candidatar às vagas. Como é que eu vou chegar numa entrevista? Vão me perguntar se eu tenho o registro eu vou dizer que não e eu vou perder a vaga com certeza.”
Também formado em jornalismo, André Alves Bonifácio, chegou a conseguir o registro provisório, que valia um ano. Mas, ao tentar emitir o documento definitivo, não teve sucesso. André procurou orientação do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, unidade da federação em que reside, e foi informado que a entidade, em conjunto com outros órgãos de classe, tenta reverter a situação. Enquanto isso, o profissional encontra dificuldades em conseguir trabalho.
“Eu tenho tentado conseguir o [registro] definitivo até para conseguir trabalhar como jornalista. Mas já perdi uma vaga que pedia exatamente isso. O anúncio pedia um profissional que tivesse o registro válido. Então, eu não pude me candidatar à vaga por isso”.
O sonoplasta recém-formado Dheymis Guedes, fez o curso técnico com ajuda da família e contava com o registro para conseguir uma vaga de trabalho. Desempregado, ele conta que outros colegas passam pela mesma situação.
“É muito constrangedor e até triste para nós que acabamos de nos formar. Porque, se eu não tenho o meu registro profissional, eu não poderia ingressar em emissoras para trabalhar. Já entrei em contato com uma emissora para ver se, mesmo sem o registro, me contratam, mas não tive uma resposta concreta. Infelizmente atrapalhou muito para eu conseguir um emprego”.
A angústia pela situação começa antes mesmo do ingresso no mercado de trabalho. O professor Marcos Barbosa*, que dá aula em cursos de comunicação há sete anos, afirma que os estudantes que se formaram em 2019 foram pegos de surpresa e que temem pelo futuro profissional. Segundo ele, os alunos já antecipam as dificuldades que terão para conseguir um emprego. Marcos ressalta que, mesmo frente a essa situação, aconselha os estudantes a investirem na formação. Uma forma de quebrar o ciclo de sucateamento que o governo tenta imprimir à área da comunicação.
“As pessoas podem até pensar ‘nossa, parece uma paranoia’. Mas não é uma paranoia. A gente está vivendo um processo. Ele começa aos poucos. O presidente desmerece os jornalistas por meio de suas falas, coloca uma claque de pessoas para aplaudir suas declarações contra a categoria, e tem uma quantidade enorme de robôs na internet que reforçam esses comentários. Isso vai acabar tirando o valor desses profissionais e vai fazer com que qualquer um seja colocado nessas profissões para que falem apenas o que o governo quer que seja dito”.
Ao mesmo tempo em que continuam exigindo o registro, as grandes empresas de comunicação são favoráveis à MP de Bolsonaro. Em audiência na Comissão de Desenvolvimento Econômico, o representante da Federação Nacional das Empresas de Rádio e TV (Abert), entidade patronal, defendeu o fim do registro sob o argumento de que se trata apenas de um procedimento burocrático.
Para a presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas, Maria José Braga, a atitude é estratégica e tem motivações financeiras. “As empresas mantêm essa posição contraditória por interesses financeiros. Ao enfraquecer a profissão, elas enfraquecem a categoria, as suas entidades profissionais e, do ponto de vista monetário, pagam menos. Quanto mais qualificado o profissional, mais ele vai exigir remunerações condizentes. As empresas jogam pesado contra a regulamentação profissional para enfraquecer a categoria”.
De autoria da presidência da República, a MP já recebeu mais de 1.900 emendas no congresso. As discussões devem ser retomadas em fevereiro. Além disso, o texto é alvo de quatro ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
*Nome fictício, a pedido do professor.
Edição: Julia Chequer