É preciso vencer o medo da crítica, fundamental no processo democrático
Por Luiz Otávio Ribas*
Desde que Lula assumiu o presidência, em 2002, com o discurso de que a esperança venceu o medo, esses sentimentos seguem como balizas para orientar a política nacional. Ao que tudo indica, em 2020 continuará sendo assim.
Em ano eleitoral, inúmeros candidatos irão vender o medo para justificar medidas de perdas de direitos; mais autoritarismo e menos soberania. A questão continua sendo se o amor, a solidariedade e a união serão armas suficientes para a esquerda vencer. Resta a quem pesquisa dar sua contribuição sobre o balanço de 2019 e as perspectivas de 2020 na conjuntura política.
Primeiro é preciso vencer o medo da crítica, fundamental no processo democrático. Essa atitude poderia implicar num acerto de contas, no afinamento da viola ou até numa reestruturação total. Quem esteve ombro a ombro na construção dos governos progressistas precisa fazer um balanço sobre o papel da crítica.
Neste sentido, coloca-se o desafio de ir além do Lula lá. Há um esgotamento desta estratégia, as condições que ora possibilitaram esta janela de experiências de governo progressistas estão se alterando. Os golpes e as derrotas eleitorais estão tratando de fechar as possibilidades de aliança com setores da burguesia interna.
É urgente assimilar a derrota do projeto petista de poder: o distanciamento da luta ideológica, das mobilizações de massa, da classe trabalhadora, da classe média, das suas bases eleitorais, para representar um projeto de conciliação de classe que não foi suficiente para conter a desigualdade. Mas não foi simplesmente uma derrota do PT e sim do conjunto das forças progressistas.
Nas críticas de alguns petistas às ruas de 2013, transparece essa situação, como quando tentam culpar os indignados pelo golpe. Em resposta, pode-se pontuar que em 2013 coube tanta coisa, inclusive a manifestação de grupos à esquerda, críticos do sistema, ao tempo que não cabe nenhuma teoria ou argumentos deterministas. Em 2013 conviveram contradições. Não foi o momento das luzes do século XXI, não foi revolucionário nem reacionário em si.
Segundo, é preciso ter esperança na teoria. Precisa-se de análise da realidade brasileira no contexto global. A tarefa urgente é compreender-se as estratégias da atual forma de governo para manter-se no poder, como a criação de inimigos, a dissimulação e os ataques à democracia. Precisa-se compreender melhor o quanto este processo está marcado por um poder colonial e elitista.
No passado, já foi tentada a aliança do liberalismo com escravismo. Hoje o desafio, parcialmente bem-sucedido eleitoralmente, conjuga liberalismo com novas formas de coronelismo. O autoritarismo segue como diretriz comum desses projetos, mas algumas novidades precisam ser destacadas. Na década de 2000, no Fórum da Liberdade, Olavo de Carvalho orientava que na disputa de hegemonia era preciso aprender com as experiências do PT e do MST, que buscaram mudanças com voto e engajamento da juventude em movimentos sociais.
Apesar das ideologias serem totalmente opostas e a direita ter incorporado uma pitada neopentecostal, esse projeto ainda não se concretizou. Mas vai enraizando o conceito do Estado como empresa, aproveitando-se do individualismo egoísta do neoliberalismo. O resultado eleitoral em 2020 pode implicar no seu aprofundamento.
As milícias rurais precisam ser estudadas, para melhor compreender-se as urbanas, nesse quadro que aproxima agentes do Estado da violência bruta. O medo vendido na eleição é produzido também nestas "parcerias público-privadas" que são as milícias.
Finalmente, para aprofundar a teoria, quem pesquisa poderia contribuir para formular perguntas que não saibam ainda responder. Resta saber: a estratégia de desestabilização permanente pode implicar em novas manifestações populares?
A volta da esquerda ao poder pode acontecer com uma frente ampla ou basta a tática da polarização? Os direitos humanos são um dos símbolos da esperança. Assim, não basta só agradecer ao Presidente da República por não se utilizar desta bandeira no seu arsenal de tolices, deixando os argumentos de maior apelo à sensibilidade humana para a oposição.
Mas é preciso também ter a coragem de construir instrumentos políticos diferentes e alternativos, de falar de outros sonhos e utopias. Manter a mirada nos exemplos de mobilização no Chile, Equador, Bolívia, de quem não tem medo de lutar e dar um basta na cultura de intolerância. O que poderá levantar nossa cabeça e a esperança para 2020?
Edição: Leandro Melito