Repressão

Força Nacional Ambiental preocupa povos da floresta: "Integração via militarização"

Movimentos e especialistas temem aumento da criminalização da luta popular e de modelo de atuação predatória na região

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Tropas da Força Nacional estiveram na Amazônia em agosto de 2019 para atuar no combate a incêndios criminosos
Tropas da Força Nacional estiveram na Amazônia em agosto de 2019 para atuar no combate a incêndios criminosos - Antonio Cruz/Agência Brasil

Especialistas e movimentos populares reagiram com preocupação à notícia de que o governo Bolsonaro irá criar a chamada Força Nacional Ambiental para atuar na Amazônia. Eles temem um avanço dos conflitos na região, com destaque para a criminalização da luta popular, como assinala a pesquisadora Marcela Vecchione, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Naea/UFPA).   

“Principalmente dos movimentos com características mais socioterritoriais, que são os conectados à defesa do direito à terra na região amazônica. Isso só diz respeito, no final das contas, a uma integração via militarização, e não via reconhecimento legal dessas formas diferentes de viver e estar no território. No limite, vai acabar acontecendo [isso] de uma forma muito violenta”, acredita a professora.

O governo anunciou, na terça-feira (22), a criação do Conselho da Amazônia, que será responsável pelas tropas. O colegiado será liderado pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão, que é militar da reserva. Segundo informações do Ministério do Meio Ambiente, a ideia é utilizar policiais militares dos estados nas ações da nova Força Nacional, destinada ao combate ao desmatamento.

A militante Nara Baré, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), conta que a entidade também recebeu a notícia do governo com preocupação.

“Traz total receio. A gente – os povos indígenas, movimentos sociais e ambientalistas – percebe que o atual governo tem como pauta prioritária na sua agenda o avanço de grandes empreendimentos na Amazônia. O que se teme é que essa força nacional não venha a fazer de fato o que ela precisa fazer, que é anular a atuação de grupos criminosos que estão aqui instalados na região”.

A dirigente cita como exemplos garimpeiros, grileiros, traficantes e associa a atuação desses grupos à violência contra as comunidades locais e à exploração predatória. Somente na Terra Indígena Yanomami, que faz fronteira com a Venezuela, por exemplo, as comunidades contabilizam a atuação de cerca de 20 mil garimpeiros ilegais. O movimento teme um avanço do problema diante do possível aumento da repressão aos indígenas resistentes.  

A Coiab também menciona o risco de a militarização acabar fortalecendo bandeiras como a expansão da pecuária e especialmente a revisão de demarcações de terras tradicionais, ambas frequentemente alardeadas pelo governo Bolsonaro. No caso desta última, Nara Baré destaca a situação da Terra Indígena Sawre Maybã, no Pará, alvo de nove pedidos de revisão da demarcação. 

Receio semelhante tem o secretário-geral do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), Dione Torquato. Para ele, a criação do Conselho da Amazônia em si e dentro da linha assinalada pelo governo, com a atuação de uma força nacional na região, não teria potencial para combater o desmatamento.

É o mesmo discurso usado pelo governo militar em 1967

Na visão da entidade, a iniciativa tende a gerar um movimento contrário e acompanha a chance de maior violação dos direitos territoriais das comunidades que resistem à atuação de mineradoras, madeireiras e criadores de gado. A memória traumática da atuação de tropas militares na Amazônia durante a ditadura também integra o rol de preocupações do CNS.

“É o mesmo discurso usado pelo governo militar em 1967, que tinha como narrativa garantir o monitoramento e o controle da Amazônia legal, mas, de fato, a intenção era desviar o foco político naquela época, era fomentar a grilagem de terra na região. O governo quer dizer que está fazendo algo”, atribui o secretário-geral do conselho.  

Segundo dados do CNS, a região concentra mais de 67 mil famílias extrativistas que vivem em unidades da conservação (UCs). Ao todo, há 685 territórios tradicionais de uso coletivo na Amazônia Legal, que incluem 313 UCs, além de assentamentos extrativistas e dos chamados projetos de desenvolvimento sustentável (PDS). Esses locais representam mais de 10% da Amazônia e não incluem as áreas indígenas.

Faltam políticas públicas que resolvam as questões fundiárias

Para o conselho, a militarização da região pode afetar as comunidades de diferentes formas porque o projeto do governo estaria desconsiderando também a geopolítica local.

“É que a lógica de desenvolvimento pensada por eles não atende às particularidades daqui. Primeiro, porque não é algo pensado conjuntamente, o que seria necessário inclusive para entender melhor os gargalos existentes. Segundo, falta instrumentalização de políticas públicas que resolvam as questões fundiárias. Essas populações precisam de políticas de qualidade que cheguem na ponta, não só de programas de segurança com visões mais imediatistas”, finaliza Torquato.

Edição: Rodrigo Chagas