Um mapeamento feito pelo Ministério Público Federal (MPF) demonstra que não são bem os pobres que destroem o meio ambiente, como afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, que encerra nesta sexta-feira (24).
A declaração do representante brasileiro, feita na última terça-feira (21), causou polêmica. Segundo ele, “as pessoas destroem porque precisam comer”. Ao menos na Amazônia, no entanto, as destruições não matam a fome: são causadas ilegal e majoritariamente pela milionária indústria madeireira, conforme dados do projeto “Amazônia Protege”, do MPF.
Os números foram levantados com base em registros de um satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e em autos de infração ou laudos de órgãos públicos, como o Instituto Brasileiro de do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O objetivo é punir os criminosos judicialmente e informar compradores sobre produtos gerados por desmatamento ilegal.
Até agora, foram duas fases: na primeira, foram propostas 1.125 ações civis públicas contra desmatamentos registrados entre 2015 e 2016. Na segunda fase, foram 1.414 ações contra grandes desmatamentos registrados pelo Inpe entre 2016 e 2017. Segundo o MPF, uma terceira fase está em curso. Em nenhum dos processos houve condenação, até o momento.
O valor total de indenizações cobradas pela Procuradoria, calculadas com base no tamanho das áreas destruídas, passa dos R$ 5 bilhões nas duas fases do projeto. O recurso deve ser revertido ao Ibama e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgãos de fiscalização ambiental.
Quem são os desmatadores?
Entre os 20 campeões em derrubar ilegalmente a floresta amazônica, quatro são grandes empresas declaradas – duas madeireiras, uma do setor de combustíveis e uma ligada à agroindústria, conforme dados do Amazônia Protege obtidos pelo Brasil de Fato. Os outros nomes da lista são de pessoas físicas, quase todas ligadas à indústria da madeira (em alguns casos, utilizadas como laranjas).
A líder do ranking é a Manasa Madeireira Nacional, alvo de 63 ações do Ministério Público. A empresa já desmatou mais de 11 mil hectares e está longe da pobreza: tem capital social declarado de mais de R$ 51 milhões, além de forte atuação no mercado de ações. Dela, os procuradores cobram mais de R$ 192 milhões em indenizações.
De outra madeireira da lista, a Tigrinhos Indústria e Comércio de Madeiras LTDA, a cobrança é de mais de R$ 26 milhões em indenização. Segundo o MPF, a empresa desmatou área próxima a 1,6 mil hectare. Não há registros do valor de capital social dela na Receita Federal.
Outra empresa milionária colocada entre os principais destruidores da Amazônia é a Tauá Biodiesel LTDA, do setor de combustíveis. Com capital social declarado em R$ 29 milhões, a empresa deve mais de R$ 23 milhões de indenização, pelo desmatamento de 1,4 mil hectares, de acordo com o cálculo do MPF.
A quarta empresa denunciada é a Coprocentro Cooperativa de Produtores do Centro-Oeste, ligada à agroindústria. Segundo o Amazônia Protege, a cooperativa desmatou 1,7 mil hectares. Por isso, deve indenização de mais de R$ 28 milhões.
Entre as pessoas físicas, o maior processado por destruir a Amazônia é Iglisson Fraitag de França, com 57 ações por desmatamento ilegal.
Iglisson é caminhoneiro e, nas redes sociais, declara trabalhar com o transporte de gado. Ele, porém, já foi ligado à indústria madeireira – conforme registros da Justiça, que aponta que em 2015 ele moveu ação trabalhista contra a O. Miranda da Rocha Comércio de Móveis LTDA, sendo indenização em R$ 45 mil, conforme sentença do mesmo ano. O motivo da ação não consta no processo.
O Brasil de Fato tentou contato com Iglisson Fraitag França e com as quatro empresas citadas no texto, mas, até a publicação desta reportagem, não teve retorno.
Balanço de Davos
A crise ambiental foi tema central nos cinco dias de Fórum Econômico Mundial. Com a ausência do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, Paulo Guedes foi o responsável por explicar ao mundo como o governo brasileiro vem tratando a questão.
Assim como o presidente faz recorrentemente, o ministro também tentou minimizar a crise ambiental no Brasil, afirmando que o país tem outras urgências. Mesmo assim, para amenizar a relação com investidores e países parceiros, prometeu reabrir o Centro de Biotecnologia da Amazônia, no mesmo dia em que Bolsonaro anunciou a criação do Conselho da Amazônia.
O ministro brasileiro foi criticado por Al Gore, ex-vice-presidente estadunidense e um dos expoentes da causa ambiental, por sua fala sobre a pobreza. Segundo o estadunidense, dizer para as pessoas que desmatar a Amazônia resolve o problema da pobreza é criar falsas esperanças.
“Hoje é amplamente entendido que o solo na Amazônia é pobre. Dizer às pessoas no Brasil que elas vão chegar à Amazônia, cortar tudo e começar a plantar, e que terão colheitas por muitos anos, isso é dar falsa esperança a elas”, afirmou o ex-vice-presidente.
Embora tenha discordado de Guedes, Gore reconheceu a soberania brasileira. “Os brasileiros sempre falam isso, que não é para pessoas de outras nações do mundo comentarem a questão amazônica. E isso deve ser respeitado”.
O governo brasileiro também foi alvo de crítica do presidente do Banco Itaú Unibanco, Candido Bracher. À Folha de S. Paulo, ele afirmou que o Brasil é visto como mau exemplo no meio ambiente pelos estrangeiros.
"É muito difícil formar um juízo sobre o que acontece no meio ambiente, porque há muita informação desencontrada. Mas, do ponto de vista de comunicação, estamos muito mal. Em qualquer fórum aqui na Europa, o Brasil é visto como um mau exemplo de proteção ambiental", disse ao jornal.
Edição: Vivian Fernandes