Médicos

Artigo | Estados Unidos agridem Cuba por seus valores, por Leandro Bertold

Enquanto vários países enviam armas que aquecem inúmeros conflitos, Cuba envia médicos e educadores

Brasil de Fato | São Paulo |
Médicos cubanos viajam para o Haiti para ajudar vítimas do furacão Matthew em 2016
Médicos cubanos viajam para o Haiti para ajudar vítimas do furacão Matthew em 2016 - Ismael Francisco / Fotos Públicas

Vemos diariamente como os grandes meios de comunicação tentam de todas as formas diminuir a importância da atuação dos médicos cubanos ao redor do mundo. Porém, ainda com ataques baixos e falaciosos, não conseguem dinamitar o agradecimento dos povos pelos serviços prestados, nem a evidência científica que prova que milhares tiveram suas vidas salvas por estes médicos. 

Brasil, Equador e Bolívia, governos subservientes aos desígnios dos Estados Unidos (EUA) e da sua visão, cancelaram os acordos de cooperação de saúde com Cuba, mesmo tendo nestes três países melhorias incontestáveis no acesso e na qualidade dos serviços de saúde pública prestados.

Os Estados Unidos financiam todo o processo de ataque contra as cooperações de saúde de Cuba ao redor do mundo, criando todo tipo de mentiras possíveis. Dentro do marco do seu objetivo de mudança de governo em Cuba, se encontram ações como o bloqueio - que é considerado pela maioria de países do mundo uma atitude extraterritorial e genocida - propagandas, espionagem, ciberterrorismo  e até o programa Parole, com um recurso de 50 milhões de dólares por ano e que tem como objetivo levar para os EUA os mesmos médicos que dizem nas propagandas serem mal formados.

Parte desta guerra ideológica se dá também pelos valores do modelo de saúde pública cubana que explicarei a seguir. Pouco tempo depois do triunfo da Revolução Cubana, a ilha corria o risco de ficar sem formação médica, já que a maioria dos médicos cubanos, que eram de famílias abastadas, emigrou para os Estados Unidos, deixando Cuba quase sem professores de medicina.

Tudo mudou quando a maioria dos professores restantes, em uma carta direcionada ao governo revolucionário, assumiu um compromisso de vida e solidariedade com a totalidade do povo cubano, dando um importante passo na construção de uma saúde pública, universal e de qualidade, que iria se contrapor totalmente ao modelo anterior onde somente os privilegiados teriam direito a uma saúde digna. Junto a estes esteve meu professor Dr. Hernán Pérez Oramas, que faleceu no ano passado, mas deixou seu exemplo como guia, a quem dedico estas linhas.

Nas últimas décadas, o mundo vem observando o avançar do processo de enraizamento do capitalismo na vida humana e a dinâmica comercial toma a dianteira dos processos de saúde, definindo a saúde e o bem-estar como simples mercadorias, destinadas através da escassez e da lei de oferta e demanda a dar altos lucros a uns poucos e gerar obrigatoriamente desassistências e sofrimentos em muitos.  

Prova disso são os milhões de mortos todos os anos por doenças curáveis, em contraste com os lucros recordes desta indústria ano após ano. Este modelo tem gerado distorções que somente privilegiam o lucro, como o abuso de medicamentos que, a cada ano, cobra mais vidas por reações adversas; excesso de procedimentos diagnósticos (algumas vezes inúteis), assim como uma desproporção no financiamento de pesquisas, como se observa na discrepância entre o valores destinados às pesquisas do Alzheimer, cinco vezes menor que o valor destinado ao desenvolvimento de próteses de seios estéticas, entre outras tantas distorções.

A Revolução Cubana aumenta o acesso à saúde de toda a população, até naqueles locais mais distantes das cidades, posteriormente criando o modelo de médico e enfermeira de família, levando a saúde a cada bairro do país, inspiração para vários sistemas de saúde pública no mundo, inclusive no Brasil.

Conjuntamente com a expansão das escolas e universidades por todo o país, Cuba também se transforma em uma potência formadora de profissionais de ciência e consciência. Aqui começam as diferenças entre modelos:  o modelo cubano entende o acesso à saúde e à educação como direito inalienável e primordial do ser, porém com a responsabilidade da utilização do conhecimento e do trabalho para o desenvolvimento e cuidado de toda a sociedade, além de contribuir muito com outras nações necessitadas do mundo.

Explico melhor. Enquanto a medicina historicamente virou artigo de luxo para filhos das famílias ricas - que com esta profissão asseguram se formar para o “mercado de trabalho” - recebendo em troca dinheiro e status, Cuba forma os filhos da classe trabalhadora com um compromisso humano com a sociedade, sem amarras que as propagandas e os mercados criam, ou seja, médicos que se preocupem com o próximo mais do que com o dinheiro, é o que se chama de médicos de ciência e consciência.

Obviamente que em ambos os lados existem detratores do pensamento hegemônico, assim como no Brasil e em outros tantos países existem profissionais que lutam por uma saúde com menos mercado e mais humanismo, também existem profissionais cubanos que seguem os cantos de sereia do mercado. A maioria, no entanto, segue os valores impostos por cada modelo hegemônico, privilégio versus direito e individualismo versus solidariedade.

Estes valores que fizeram com que Cuba, um país pequeno, sem recursos minerais, petróleo e bloqueado pela maior potência do mundo, os Estados Unidos, tivesse um dos melhores sistemas de saúde e educação do mundo, e o que é mais transcendente: que este pequeno país vem contribuindo há décadas com os povos excluídos do mundo.

Cuba já alfabetizou mais de 3 milhões de pessoas fora de suas fronteiras, operou através da missão Milagros mais de 6 milhões de pessoas que tiveram sua visão de volta gratuitamente, já formou mais de 30 mil médicos de países de terceiro mundo com o único objetivo que cuidem dos que mais sofrem em seus países, e ainda envia, há mais de 60 anos, médicos às zonas atingidas por desastres naturais, epidemias e conflitos.

Enquanto vários países, ditos de primeiro mundo, enviam armas que aquecem inúmeros conflitos, sob o silêncio internacional, Cuba envia médicos e educadores sob a crítica dos meios hegemônicos dominados pelos Estados Unidos. Se a atuação internacional de Cuba, esta minúscula ilha, não for um referente de solidariedade internacional, e de exemplo a ser seguido para a construção de um mundo melhor, saberei somente que os piores valores ainda dominam as relações diplomáticas mundiais.

Os povos do mundo jamais esquecerão a solidariedade prestada pelo povo cubano àqueles que mais precisam, e os ataques do imperialismo dos Estados Unidos somente servem para mostrar a todos em que lado devemos estar. Viveremos para ver relações internacionais justas e que favoreçam aos povos, contrários à opressão da ponta de fuzis, bombas e sanções que os EUA estabelecem a todos os países que decidem não seguir seu jugo imperial. Cuba seguirá sendo exemplo de rebeldia e resistência contra o mercado e o império e pela vida e o direito à saúde.

*Leandro Nascimento Bertold é médico brasileiro formado em Cuba

Edição: Leandro Melito