Um ano após a autoproclamação de Juan Guaidó como presidente encarregado da Venezuela, nessa quinta-feira (23), durante uma manifestação, numa avenida da região leste de Caracas, capital do país. A ação, que à primeira vista poderia passar desapercebida para o mundo, desencadeou o apoio de 58 países, que reconhecem o deputado opositor como presidente venezuelano.
Em um ano de “mandato interino” o que realmente mudou na Venezuela?
Das funções como chefe de Estado encarregado, o engenheiro civil conseguiu congelar cerca de US$ 40 bilhões de ativos venezuelanos depositados em contas no exterior. Também nomeou uma nova diretiva para a filial da Petróleos de Venezuela (PDVSA) nos Estados Unidos, a CITGO, e pôde se apropriar de um patrimônio de cerca de US$ 30 bilhões. Com o aval da Assembleia Nacional, em desacordo com a justiça, Guaidó se apropriou da Monomeros, sede da empresa petroquímica venezuelana Pequiven no território colombiano – responsável por abastecer metade do mercado de fertilizantes na Colômbia.
Desde março até dezembro de 2019, a empresa perdeu 90% do seu valor de mercado, diminuiu sua capacidade produtiva em 400 mil toneladas métricas de derivados petroquímicos, teve um prejuízo de 20 milhões de dólares e ainda registrou um gasto de US$ 3 milhões em viagens, hotéis escoltas e alugueis.
Além disso, graças aos pedidos de Guaidó e do setor de extrema-direita da oposição venezuelana, novas sanções foram emitidas contra o país. Em agosto, a Casa Branca emitiu uma nova ordem executiva que representou um bloqueio total contra a Venezuela, congelando todas as contas no exterior, impedindo transações financeiras e ameaçando multar países que decidam comercializar com um ente venezuelano. Esse pode ter sido um dos golpes mais contundentes, mas não foi um ato isolado. Durante a administração de Donald Trump foram assinadas 45 sanções unilaterais contra a nação bolivariana.
O bloqueio econômico, que começou ainda na administração de Barack Obama, já gerou um prejuízo de cerca de US$ 130 bilhões ao Estado venezuelano.
Apesar de todo o respaldo econômico, Guaidó termina um ano de autoproclamação com uma base política dividida e perdendo seu único espaço de poder político na Venezuela: a presidência da Assembleia Nacional. Por conta de escândalos de corrupção e do uso do dinheiro da chamada “ajuda humanitária” para bens pessoais, um setor guaidosista se rebelou.
A derrota eleitoral também lhe tira as prerrogativas para ser considerado presidente interino da Venezuela já que, segundo a Constituição venezuelana, somente o presidente do poder legislativo poderia se proclamar chefe de Estado, em caso de vacância de poder.
Desmoralizado, o deputado venezuelano contrariou a justiça – que lhe impediu de sair do território venezuelano, porque está sob investigações – e iniciou uma turnê pelos “países aliados”. Começando pela Colômbia, onde se reuniu com o presidente Iván Duque e o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo.
Depois seguiu para o Reino Unido e Espanha, onde se encontrou com o primeiro ministro Boris Johnson, o encarregado de assuntos exteriores da União Europeia, Josep Borrell e a bancada de extrema-direita do congresso espanhol, com deputados do partido Vox.
O autoproclamado também foi para a Suíça para participar do Foro Econômico Mundial, em Davos.
Além de buscar mais apoio internacional, as viagens de Guaidó podem dar evidências das novas táticas para tentar derrubar o governo de Nicolás Maduro.
Em Bogotá, o deputado opositor venezuelano participou da I Conferência Ministerial Hemisférica de Luta Antiterrorista. No evento, que reuniu líderes políticos conservadores latino-americanos, estadunidenses e europeus, em mais de uma ocasião, insistiram em que a Venezuela financia e apoia grupos “terroristas”, incluindo nessa classificação partidos políticos como o Hezbollah, que atualmente ocupa a presidência do congresso libanês, e grupos insurgentes como o Exército de Liberação Nacional (ELN).
“Estamos construindo todas as forças para conseguir vencer e eliminar para sempre o terrorismo na Venezuela que hoje se chama Nicolás Maduro”, afirmou Júlio Borges, representante de Juan Guaidó na Organização dos Estados Americanos (OEA), apesar de não apresentar nenhuma prova contra o governo venezuelano
Na conferência, os governos da Colômbia e Honduras acordaram usar a mesma lista de países terroristas adotada pelos Estados Unidos. Em 2015, Obama declarou a Venezuela como uma “ameaça inusual e extraordinária para a segurança dos Estados Unidos”.
Essas medidas somadas à ativação de mecanismos do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) contra Venezuela podem representar uma ameaça militar ao país.
Festa chavista
Enquanto Guaidó viaja pelo mundo planejando novas ações, na Venezuela, o presidente constitucional do país, Nicolás Maduro, celebra o 23 de janeiro de 2020 como uma vitória da resistência popular.
“Há um ano estivemos aqui, há um ano vemos nossas caras aqui e eu lhes disse: nos vemos em 2020 vitoriosos e aqui estamos: 2020 vitoriosos junto ao povo venezuelano na varanda do povo e nas ruas de Caracas”, disse o chefe de Estado durante uma manifestação em frente ao Palácio presidencial de Miraflores, durante o Encontro Mundial Contra o Imperialismo.
A atividade de rua também celebrou os 62 anos da derrubada da ditadura de Marcos Pérez Jiménez, em 23 de janeiro de 1958.
O ano de 2019 também representou o primeiro período do segundo mandato de Nicolás Maduro, marcado pelo reimpulso da indústria petroleira, produzindo 230 mil barris de petróleo diários a mais em dezembro, em relação a janeiro de 2019.
Através de políticas sociais e econômicas promoveu a criptomoeda Petro, que já é aceita em 100 mil estabelecimentos comerciais, como uma alternativa à dolarização forçada que o bloqueio econômico gerou no país.
Também no âmbito internacional, além de promover eventos de solidariedade que reúnem militantes sociais de várias partes do mundo, Maduro anunciou o relançamento da plataforma Petrocaribe – acordo entre 14 países, proposto em 2005 pelo presidente Hugo Chávez, que prevê a oferta de petróleo venezuelano com juros e preços preferenciais para nações caribenhas.
Mesmo com um cenário internacional complexo, o povo venezuelano celebrou o 23 de janeiro de 2020 com dança, tambores, alegria e assegurando que serão “leais sempre e traidores nunca”.
Edição: Leandro Melito