Os erros do governo federal na correção das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), além de uma possível falha do sistema de inscrição no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), têm transformado o sonho do ingresso no ensino superior em pesadelo para estudantes brasileiros.
É o caso de Bruno Santos, de 24 anos, que há quatro anos tenta entrar em uma universidade pública. “Isso me pegou muito, porque já estou há um bom tempo tentando, mesmo tendo essas políticas de acesso. Com esses erros as expectativas vão muito lá pra baixo, expectativa de vida, de formação profissional, de querer fazer uma universidade e seguir uma carreira”, desabafa.
Após as denúncias nas redes sociais de muitos colegas, o estudante percebeu uma diferença no resultado do segundo dia de prova do Enem e entrou em contato com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) por e-mail, conforme orientação do órgão. Até agora não obteve retorno.
As informações são de que houve uma troca da identificação no cartão de resposta do Enem. O Ministério da Educação (MEC) reconheceu o erro nos gabaritos e informou que o problema foi na gráfica que imprimou as provas. O caso havia sido judicializado pelo Ministério Público Federal. Após decisões de primeira e segunda instâncias pela suspensão do calendário de inscrições do Sisu, nesta terça-feira (28), o Superior Tribunal de Justiça decidiu a favor da liberação do processo.
O governo federal, porém, ainda não apresentou provas de que todos os erros de notas do Enem tenham sido sanados. A professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Catarina de Almeida, afirma que as justificativas do governo são rasas e não dão conta de explicar o que ocorreu.
“É difícil saber exatamente o que aconteceu, como é muito difícil saber qual é a extensão do erro, qual é a confiabilidade das notas publicadas. Se fala desde 6 a 30 mil de pessoas prejudicadas. Saber de fato qual foi o erro, essa extensão, quantidade de pessoas envolvidas nesse processo é que a grande dificuldade”, afirma.
Mesmo com os problemas no resultado da prova, Bruno Santos fez a inscrição no Sisu, que aconteceu com atraso durante os dias 21 a 26 de janeiro. “Eu cheguei a me inscrever no Sisu, até porque é a única forma que a gente tem de ter acesso à universidade. Mesmo assim eu tentei me inscrever, ver como que está sendo a distribuição das vagas dos cursos que eu posso ingressar. Mas eu senti algumas diferenças no decorrer da semana sobre a nota de corte.”
A nota de corte do Sisu, que o estudante aponta, foi outro problema denunciado pelos estudantes. Segundo alguns relatos das redes sociais, o novo sistema do Ministério da Educação tem possibilitado que o candidato coloque a mesma vaga nas duas opções da inscrição em vez de duas universidades e/ou cursos diferentes. A consequência do problema seria que a nota de corte das vagas aumentam consideravelmente, uma vez que o sistema considera duas inscrições na mesma vaga. O órgão por sua vez, nega o erro no sistema.
Para a professora Catarina de Almeida, que também estuda política e gestão da educação básica e superior no pós-doutorado da Unicamp os erros são graves e afetam diretamente o planejamento da educação superior no país. “O início das aulas não depende simplesmente de ‘ah liberou, vamos matricular’, existe um planejamento para que isso aconteça. É um impacto muito grande no ano letivo, na educação superior de 2020, e isso vai impactando os próximos anos também”, explica ela.
"Parte do processo de desmonte"
Almeida integra a Campanha Nacional Pela Educação e sinaliza que os erros do Enem não são um “acidente de percusso”.
“Não vejo os erros no Enem como um fato isolado eu acho que faz parte das ações em conjunto de um projeto que esse governo tem que é de negação absoluta do direito a educação, principalmente da educação superior”.
Ela acompanhou de perto o que chama de “processo de desmonte” da educação pública do país desde o início do governo Bolsonaro. “Desde o início do ano de 2019, que o Inep vem sofrendo primeiro troca de presidente, depois formações de comissões para intervir nos bancos de questões do Enem, com o presidente, inclusive, sinalizando que teriam que passar por avaliação do presidente. A gente não pode esquecer todo o processo que se vivenciou dentro do Inep durante o ano de 2019 e toda essa pataquada de tirar questões ideológicas”, denúncia.
Gheidilla Mendes compõe a Secretaria Nacional da Rede de Cursinhos Populares Podemos Mais, que tem cerca de 55 turmas em 15 estados do Brasil, tem acompanhado esse processo na ponta com os estudantes e endossa a denúncia.
“A gente sabe que a ampliação do Enem como forma de ingresso da maioria das universidades e até mesmo da Criação do Sisu foi um grande avanço para que a gente pudesse avançar no quesito do acesso da juventude pobre, periférica, negra nas universidades e reduzir, cortar e desmoralizar essa forma de ingresso, dizer que é muito erro e tudo mais é uma das formas de sucateamento”, afirma.
Edição: Rodrigo Chagas