VISIBILIDADE TRANS

Empresa de consultoria em diversidade inclui pessoas trans no mercado de trabalho

"Transcendemos" promove palestras e workshops para que outras empresas promovam um ambiente acolhedor aos LGBTs

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Fundada pela advogada Gabriela Augusto, a Transcendemos já orientou dezenas de empresas e trabalhadores
Fundada pela advogada Gabriela Augusto, a Transcendemos já orientou dezenas de empresas e trabalhadores - Foto: Divulgação/Transcendemos

Tornar o mercado de trabalho mais diverso, acolhedor e inclusivo. Esse é o objetivo da Transcendemos, organização que presta consultoria em diversidade para empresas de pequeno, médio e grande porte há mais de dois anos. 

Criada pela advogada Gabriela Augusto, que por diversas vezes foi vítima de transfobia durante processos seletivos, a consultoria já realizou dezenas de workshops e formações sobre como a diversidade deve ser valorizada e promovida em diferentes contextos.

A ideia é promover a empregabilidade não só para as pessoas trans e LGBTs, mas para todos os grupos em situação de vulnerabilidade, como mulheres, negros e negras, e pessoas com deficiência. 

“Temos iniciativas pensadas para o desenvolvimento profissional das pessoas que fazem parte de grupos minorizados, como também iniciativas pensadas para ajudar as empresas a promover treinamentos, pensar estratégias de recrutamento e trabalhar com processos seletivos”, explica Gabriela.

Os dados confirmam que a inserção no mercado de trabalho e o desenvolvimento profissional é uma das principais dificuldades das mulheres trans. De acordo com a ONG Transgender Europe, 90% dessa população está na prostituição, em condições de extrema vulnerabilidade. Segundo a diretora da Transcendemos, as dificuldades estão nos mínimos detalhes. Os departamentos de recursos humanos da maioria das empresas, por exemplo, não estão preparados nem mesmo para usar o pronome adequado à identidade de gênero do profissional avaliado. 

“Podemos dizer que tivemos alguns avanços nos últimos anos. Existe uma série de empresas que estão pensando em iniciativas de contratação, mas temos um longo caminho pela frente. As pessoas trans ainda se deparam com grandes barreiras na hora de conseguir um emprego CLT, uma oportunidade mais justa”, lamenta Augusto. 

Levy Marchetto sentiu na pele as limitações de um mercado de trabalho que não se preocupa com a diversidade. Ele começou a trabalhar aos 18 anos como vendedor em um shopping, justamente durante o período de sua transição de gênero.

“Pouquíssimas vezes me apresentei como Levi e pouquíssimas vezes me apresentei como uma pessoa trans. Eu sempre tive muito medo de me expressar da maneira que eu me sinto pelo receio de ser julgado, de ser caçoado. É algo que mexe muito comigo”, desabafa. 

Levy viu uma oportunidade de mudança em sua trajetória profissional ao conhecer o trabalho da Transcendemos pelo Instagram e se inscreveu em um workshop.

“Era uma sala com umas 40 pessoas e eram todas trans. Senti que estava ali, que existia. Era uma harmonia de sentimentos entre as pessoas”, relembra, emocionado.

Levy conseguiu um trabalho formal após participar de evento da Transcendemos (Foto: José Eduardo Bernardes) 

Após o evento, entrou para o banco de candidatos da consultoria e, semanas depois, foi chamado para ser jovem aprendiz da Espro, uma empresa terceirizada que presta serviços ao Google. 

Atualmente com 21 anos, Levy se sente privilegiado por ter um trabalho fixo em uma multinacional. Para ele, promover a visibilidade trans, comemorada neste 29 de janeiro, é essencial para que o mesmo aconteça com outras pessoas. 

“As pessoas são humilhadas em entrevistas de emprego por serem trans e não são contratadas por esse mesmo motivo. A visibilidade é importante para promover uma mudança de pensamento e comportamento”, argumenta.

Mudanças reais

A Transcendemos também reconhece o trabalho das organizações que de fato estão compromissadas com a diversidade por meio da certificação “Empresa de Respeito”.

Na avaliação de Gabriela Augusto, a iniciativa tem sido um instrumento para estimular as empresas a promoverem a diversidade em seu dia a dia. 

“A certificação é baseada em três pilares. O primeiro deles é a conscientização e treinamento de trabalhadores. O segundo pilar é a comunicação inclusiva. A empresa se compromete a desenvolver tanto uma comunicação interna e externa que não discrimine grupos minorizados. O terceiro é a promoção de igualdade de oportunidades, onde a empresa se compromete a desenvolver estratégias pensando na igualdade de oportunidades no momento da contratação e de promoção dos colaboradores”, explica. 

O selo é entregue às empresas após passarem por um processo cuidadoso de avaliação. Toda empresa certificada recebe ainda um relatório que aponta seus acertos, e, se necessário, onde é preciso melhorias.

Após ser vítima de transfobia, a advogada Gabriela Augusto decidiu que criaria um projeto para ajudar a transformar essa realidade (Foto: José Eduardo Bernardes)

Uma das empresas certificadas foi a Jamp Hamburgueria, localizada na Vila Madalena, em São Paulo. Amanda Chan, sócia do restaurante, afirma que a recepção à roda de conversa com a Gabriela foi excelente.

“O problema que eu tinha com os garçons, com os funcionários, é que quando chegavam drags, por exemplo, eles não sabiam como tratar. E aí eles puderam tirar dúvidas que geralmente tem vergonha de perguntar. Foi um papo bem legal”, relata. 

Após a formação, a repercussão com os clientes também foi positiva. 

“Todo mundo que para no caixa olha a placa da Transcendemos e pergunta porque somos um empresa de respeito. E nós explicamos o treinamento que a Gabi deu para os funcionários Muita gente diz: 'Minha empresa precisa disso”.

Chan avalia que a maioria das pessoas considera a contratação de LGBTs um tabu, e, exatamente por isso, a certificação é tão importante. Para ela, o respeito e a excelência de atendimento deve ser para todos, sempre. 

Augusto complementa que, para além do público consumidor, a certificação é importante para as pessoas em situação de vulnerabilidade que estão procurando emprego.

“Tente imaginar uma pessoa trans que irá se candidatar a uma vaga. Essa pessoa não sabe se aquele lugar o qual está se candidatando vai ser um lugar onde vai se sentir acolhida, respeitada. A certificação cumpre essa função de transmitir segurança pras pessoas”. 

No dia Nacional da Visibilidade Trans, a diretora da consultoria reitera que “é o momento de arregaçar as mangas” e realmente assumir uma postura ativa para que a inclusão e o respeito não sejam exceção dentro das empresas.

“Temos que garantir estratégias para que as pessoas trans tenham mais oportunidades, possam assumir posições de liderança e inspirar outras pessoas trans. Representatividade é fundamental”, reforça Gabriela. 

Edição: Leandro Melito