O “acordo do século” anunciado pelo presidente estadunidense Donald Trump na terça-feira (28), com o intuito de “promover a paz” no Oriente Médio, é uma tentativa de legitimar ações ilegais do governo israelense de Benjamin Netanyahu contra o povo palestino, de acordo com especialistas.
Trump anunciou que vai unir Israel e Palestina com uma “solução de dois Estados”. Ele propõe reconhecer a Palestina como soberana, ofertando a ela terras e uma capital ao leste de Jerusalém. Em compensação, Jerusalém seria declarada capital de Israel e assentamentos israelenses na Cisjordânia e no vale do Rio Jordão – territórios palestinos - seriam legitimados. Em resumo, portanto, seria uma troca territorial.
A proposta provocou revolta em milhares de palestinos, que foram às ruas de Gaza e da Cisjordânia sob o lema “A Palestina não está à venda”. Em uníssono, o primeiro-ministro Mohammad Shtayyeh rechaçou o plano de Trump, dizendo que o acordo acabaria com a causa palestina.
Para Arlene Clemesha, professora de História Árabe da Universidade de São Paulo (USP), a tentativa de Trump é uma barganha favorável apenas a Israel, ofertada por quem desconhece a história palestina.
“Você não vai encontrar nenhum documento palestino dizendo que eles aceitam compensação por terem sido expulsos, por terem perdido suas terras, por terem perdido suas propriedades. Se, em 70 anos de tentativas de negociação [com Israel], nunca os palestinos aceitaram compensação, em que mundo ele [Trump] acha que está para propor uma coisa dessas?”, questiona a professora.
Arlene classifica como “irrealista” a proposta de acordo, já que os palestinos sempre negaram acordos parecidos propostos por Israel ou aliados. Para ela, trata-se de uma estratégia política para legitimar ações anti-Palestina promovidas por Netanyahu.
“A partir de agora, as negociações vão partir da ideia de manutenção integral das colônias. As colônias são estrategicamente construídas, não aleatoriamente construídas. Desde a sua construção, desde 1967, elas estão construídas em território que Israel quer manter. Mas, até hoje, nunca tinha conseguindo um plano, um respaldo, que dissesse ‘sim, mantenha isso’. Agora conseguiu.
A troca territorial proposta pelo presidente estadunidense é desigual, visto que as terras ofertadas aos palestinos são sabidamente mais improdutivas e periféricas do que as sob posse israelense, explica a professora de História Árabe.
“Para Israel conseguir manter certas colônias em território palestino, próximas à fronteira - que na realidade não existe -, proporiam trocas territoriais, sempre largamente desfavoráveis aos palestinos. Israel fica com uma colônia que já tinha sido estrategicamente construída em uma terra fértil, no topo de uma colina, em um local de aquífero, e entrega, em compensação, um pedaço de deserto. É tudo muito desigual. Uma relação de muito poder do lado israelense e nenhum poder, nenhum apoio, nenhum respaldo do lado palestino”, opina Arlene.
Para Marcelo Buzetto, professor de Relações Internacionais e pesquisador especialista em conflitos do Oriente Médio, não existe acordo algum, mas imposição. “Não é nenhum tipo de acordo. É uma imposição. O Trump elaborou um plano para legitimar os assentamentos ilegais israelenses na Cisjordânia. É uma violação”, diz.
Segundo o pesquisador, Trump usa expressões como “acordo” e “plano de paz” para se autopromover e tentar melhorar sua imagem – à beira das eleições nos Estados Unidos, o presidente enfrenta um processo de impeachment e críticas mundiais.
“O Trump está transformando isso em um instrumento de propaganda, porque é um presidente que está perdendo popularidade. É um presidente que foi derrotado no Iraque, foi derrotado na tentativa de enfrentar o Irã, está enfrentando um processo de impeachment e está às vésperas de uma eleição muito indefinida nos Estados Unidos. Penso que é uma operação de propaganda, de marketing, para manter o Trump na mídia internacional”, afirma Buzetto.
Edição: Leandro Melito