Horas após o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) incluir na sessão da próxima quinta-feira (17) a discussão de ações que contestam as prisões após condenação em segunda instância, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), marcou uma sessão extraordinária para esta terça-feira (15) com o objetivo de debater uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que trata do tema.
Após resistências da oposição e a utilização de questões regimentais, a sessão extraordinária, marcada para “discussão e votação”, foi suspensa por conta do início dos trabalhos do plenário da Câmara.
Parlamentares contrários à proposta apontaram que a sessão extraordinária visava constranger o Supremo. O deputado Ivan Valente (Psol-SP), por exemplo, chegou a qualificar a reunião como “instrumento de mobilização de milicianos digitais”.
A PEC 410 de 2018, de autoria de Alex Manente (PPS-SP), altera a redação do o inciso 57 do artigo 5º da Constituição. Atualmente o dispositivo institui que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado”. A proposta altera o texto para “até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”.
A justificativa apresentada por Manente aponta que a regra estabelecida pela Constituição foi pensada como reação ao período da ditadura militar. O deputado argumento que o contexto brasileiro se alterou com o “fortalecimento das instituições”, reconhecendo, de outro lado, que atualmente a possibilidade de prisão após segunda instância é inconstitucional e ilegal.
“O indivíduo tem assegurado o direito de permanecer em liberdade até que não caiba mais recurso e a sentença se torne definitiva”, diz o texto.
Oposição
A principal reclamação de parlamentares da oposição foi o prazo entre a convocação e a reunião para a realização da sessão, de menos de um dia. Ainda nas discussões procedimentais as legendas de esquerda e centro-esquerda apresentaram sua principal divergência de mérito em relação à proposta: a regra estabelecida pela Constituição em 88 é uma cláusula pétrea.
“Mesmos os juristas mais conservadores, que entendem cláusulas pétreas apenas como direitos individuais, têm o entendimento que é um dispositivo não passível de modificação”, argumentou Talíria Petrone (Psol-RJ).
De acordo com o artigo 60 da Constituição, direitos e garantias fundamentais estabelecidos pelos constituintes não podem ser alterados. Fernando Hideo, advogado criminalista, defende que, a partir desta regra, é impossível afirmar que o debate na CCJ está se dando em torno de uma norma que não pode ser modificada.
"Acho difícil encontrar algum jurista que diga o contrário. É evidente que o princípio da não culpabilidade, ou da presunção de inocência, é um direito individual. Sendo direito individual, claramente é cláusula pétrea", resume.
Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, afirma que há um consenso estabelecido em torno do tema. Ele explica que o conteúdo da regra não pode ser modificado no sentido de extinguir ou diminuir direitos.
"De que é cláusula pétrea não há dúvida. Me surpreende que tenha emenda apresentada. Não conheço ninguém que fale que não é cláusula pétrea", afirma o jurista.
O professor explica que o debate sobre o tema ganhou força após a decisão do Supremo em 2016. Segundo ele, a postura da maioria dos ministros foi “equivocada”, já que não há margem para interpretação do texto. Em tese, a CCJ tem como função verificar a constitucionalidade das propostas apresentadas por parlamentares.