José Lucas Oliveira estuda Engenharia da Computação. É torcedor do Flamengo, gosta de ir para a balada, se reunir com os amigos, passear e ouvir música. Quando terminar a faculdade, planeja abrir uma empresa de informática. Em breve, ele também espera publicar um livro de relatos sobre a sua vida.
Se a rotina e os sonhos são parecidos com os de qualquer outro jovem de 23 anos, não há dúvidas de que, em pelo menos um aspecto, ele é diferente: José Lucas tem muito mais histórias para contar.
No sexto mês de gravidez, a mãe dele, Cristina Oliveira, foi alertada sobre os desafios que iria enfrentar após o nascimento do filho. “A medicina não tem muita orientação. São várias cirurgias, e não tem muitos sobreviventes”, ressalta.
O menino nasceu com um conjunto de doenças raras, difíceis até de pronunciar: mielomeningocele, extrofia de cloaca e agenesia renal esquerda. Ele é apenas a 15ª pessoa no mundo com essas três anomalias, que prejudicam a formação da coluna vertebral e do sistema urinário. Com três dias de vida, José precisou retirar um tumor da coluna e ficou paraplégico.
Os médicos disseram que José não chegaria à vida adulta e que jamais entraria numa sala de aula. Cristina não quis saber, e insistiu para que ele frequentasse a escola, como qualquer outra criança.
“Eu sempre tive facilidade de fazer amigos, porque eu sou bem comunicativo. O meu problema era estrutural mesmo. Tinha escada, tinha elevador que quebrava”, conta. “Mas, sempre que tinha escada, eu pedia ajuda aos amigos e eles estavam sempre dispostos a ajudar”.
Em 2001, José Lucas e a mãe se mudaram do Rio de Janeiro para Madri, na Espanha, para buscar alternativas para o tratamento. Depois de três meses, voltaram ao Brasil e descobriram que Curitiba era um centro de referência.
O atendimento oferecido pelo hospital Pequeno Príncipe agradou, e toda a família veio ao Paraná para acompanhar José Lucas. Eles vivem em Curitiba há 14 anos.
Cristina perdeu as contas de quantas cirurgias o filho fez. Em 2015, quando ela parou de contar, eram 58. Naquele ano, José teve complicações clínicas e perdeu o rim que havia sido implantado após dois anos de espera na fila do SUS. Pensou em desistir, mas encontrou motivação nas pessoas próximas: “Acredito em Deus, mas não sigo nenhuma religião. Eu me apego muito aos amigos e à família, porque acho que é o mais importante”.
Um bom flamenguista
O acesso de pessoas com deficiência à universidade aumentou 518,7% no Brasil desde 2004, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). No entanto, as condições de permanência e acessibilidade nem sempre são adequadas, e apenas 6,7% conseguem um diploma no ensino superior. José está no segundo ano de Engenharia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), e mais de uma vez ficou trancado em elevadores e precisou de ajuda para subir escadas.
Desde que perdeu o rim, José faz hemodiálise três vezes por semana para filtrar o sangue do organismo. Todas as segundas, quartas e sextas, ele acorda às cinco horas da manhã e permanece a manhã toda na hemodiálise. O procedimento atrapalha os estudos, mas não o impede de sonhar.
“Eu pretendo me formar. É uma coisa que está demorando muito, mas por conta da saúde mesmo. Quinze dias atrás, ocorreu de eu ter uma convulsão e ficar cinco dias internado. E a PUC não abona essas faltas”, afirma o estudante, que conseguiu uma bolsa de estudos integral através do Programa Universidade para Todos (ProUni).
José Lucas criou uma página na internet chamada "Precisamos falar sobre o Zé", onde estimula os amigos a enviarem relatos para a produção do livro biográfico. O projeto está em fase de concepção, mas o mais importante ele já tem: uma história impressionante, que ganha novos capítulos todos os dias – sempre com final feliz.
Enquanto espera por um novo transplante de rim, o garoto se diverte como pode. Shows de pagode, para ele, são sempre uma boa pedida. Namorar antes de terminar a faculdade, nem pensar: “Por enquanto, tô só ficando”, brinca.
Quando a vida lhe fecha as portas, José responde com um sorriso. A estratégia é a mesma há mais de 20 anos, e tem dado resultado: como bom flamenguista, ele sabe que em time que ganha não se mexe.