O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), voltou a defender, nesta segunda-feira (3), um aprofundamento do arrocho fiscal que vem sendo promovido no país nos últimos anos e se acentuou na gestão de Jair Bolsonaro (sem partido). Ao discursar na sessão de abertura do ano legislativo, ele entoou o mantra da equipe econômica do governo e afirmou que o cenário atual é de “grave crise fiscal”.
“Ele nos remete a um único caminho: o da responsabilidade fiscal, que permitirá, em curto prazo, que gastemos menos com a estrutura do Estado”, completou.
A declaração tem como cenário um conjunto de medidas que devem entrar no foco do Legislativo nestes próximos meses, como propostas de redução de jornada e salário dos servidores, fim da estabilidade para concursados, privatizações e o chamado “Plano Mais Brasil”, de autoria do governo, que reúne diferentes propostas de emenda constitucional (PEC) com teor neoliberal.
Maia também destacou, mais uma vez, que pretende privilegiar a reforma tributária, alvo de diferentes propostas no Congresso. As duas principais que estão em debate, uma na Câmara e outra no Senado, promovem uma restruturação dos impostos sem intervir na lógica distributiva das regras atuais, que impõem altas taxas sobre o consumo e baixa cobrança sobre renda e patrimônio.
Uma medida paralela, apresentada pela oposição, propõe a implantação de uma reforma tributária solidária e deverá ter o coro reforçado nestes próximos meses.
Roteiro
Apesar de ter um caráter mais oficioso, a sessão de abertura do ano legislativo é um importante sinalizador do roteiro que será seguido pelo parlamento ao longo do ano, sobretudo no primeiro semestre.
Assim como ocorreu nos últimos anos, a tendência é que, em 2020, partidos como PT, PSB, PDT, Psol, PCdoB e Rede sigam em rota de colisão com as propostas de redução do Estado, fazendo frente à pauta apresentada por Maia.
“A gente tem é que fazer reforma tributária taxando rico, tem que aprovar o Fundeb, tem que aprovar projeto de conteúdo nacional. Tem que enfrentar essas coisas. Tem que fazer mais Estado, e não menos Estado. A gente está na contramão do que é necessário pro Brasil. Essa prioridade não será a nossa”, afirmou ao Brasil de Fato a líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Legislativo forte
Outro fator que deve se tornar mais evidente em 2020 é o fortalecimento do Poder Legislativo diante do Executivo, tendência que vem sendo destaque nos últimos anos, em meio às crises institucionais do país, que tem uma tradição de Executivo forte.
“O Congresso está passando a ocupar um lugar que é seu por direito, como epicentro do debate e da negociação em torno das questões vitais para o desenvolvimento do nosso Brasil”, disse Maia nesta segunda.
No Congresso, a leitura é de que as fragilidades da gestão Bolsonaro tendem a oxigenar ainda mais esse movimento de sobressaliência do Legislativo.
“O governo não consegue articular nada no parlamento. O parlamento tem sido um potente poder, nem sempre votando o que deve ou votando a favor do povo, mas já tem sido um poder muito marcante neste eterno governo gerador de crise e de problema que é o governo Bolsonaro. Acho que isso vai se manter”, projeta Jandira.
Articulações
Com o início dos trabalhos legislativos, começam também as articulações para definir a pauta de votações.
Na Câmara, onde as dissidências são mais marcantes e ditam o ritmo de tramitação das matérias, o líderes partidários devem se reunir nesta terça-feira (4) com Maia para debater as prioridades para o plenário.
Apesar de o presidente da Casa ter o poder de bater o martelo sobre a pauta que será discutida, a tendência é sempre de formatação de um acordo, de forma a diminuir os riscos de insucesso para as votações de interesse do governo e do próprio Maia.
Também ainda não foram apontados, por exemplo, os nomes que irão compor a presidência das comissões legislativas e os demais cargos dos colegiados.
A distribuição, em geral, se dá conforme o grau de representatividade de cada legenda na Casa e tem importância no jogo político por conta da tramitação das diferentes matérias. Porta de entrada das diferentes propostas legislativas, as comissões têm o poder de barrar ou acelerar a discussão de uma medida.
Principal colegiado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) é sempre a mais pleiteada pelos parlamentares, mas outras disputas pela liderança dos demais colegiados ganham fôlego conforme a conjuntura política.
No ano passado, por exemplo, teve destaque a indicação de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para presidir a Comissão de Relações Exteriores. A nomeação veio em sintonia com a agenda internacional do presidente da República, que, além de priorizar dissidências diplomáticas com a Venezuela, anunciava uma maior aproximação do país em relação aos Estados Unidos, país para o qual o chefe do Executivo previa a nomeação – não efetivada – do filho como embaixador do Brasil.
Para este ano, ainda não há precisão sobre quando serão definidos os nomes, mas, nos bastidores, já se revela uma tendência de disputa entre PT e PSL, maiores partidos da Câmara, pela presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM). Dirigido pelo PT há vários anos, o colegiado é tradicional palco das disputas de caráter mais ideológico.
Edição: Rodrigo Chagas