De botecos mais simples a restaurantes caros, todos pareciam seguir essa fórmula
Esse vai ser um texto com pouquíssimos dados empíricos e muitas suposições. Não é algo que eu goste de fazer, já que adoro mergulhar na pesquisa, achar fontes, escrever sobre velhas e adoráveis novidades. Bom, dito isto, vamos ao começo de tudo. Desde muito pequena, acho que com 10 ou 12 anos, percebi que a comida em casa seguia um certo padrão nos dias da semana, de segunda a domingo.
Durante a semana o cardápio variava bastante, mas se repetia semanalmente. Primeiramente, pensei que era algo da cabeça da minha mãe, uma espécie de organização das compras e do que fazer.
No fundo achava que era uma falta de imaginação. Fui reparar no que minha avó Lourdes, que morava bem perto, cozinhava. Muitas vezes eu comia duas vezes no almoço – em casa e na avó, sendo a comida da avó muito melhor do que a de casa, como costumam ser as comidas de avó.
Cresci, comecei a trabalhar e reparei que fora de casa o cardápio se mantinha – em restaurantes por quilo, bares, botecos, marmitas. Um mistério, que tem me acompanhado na minha vida de pesquisadora da alimentação.
Até dei um nome pra coisa toda: “a comida dos dias”. Nunca morei muito tempo fora de São Paulo, apesar da imensa paixão pelo Rio, então não posso dizer com certeza se é algo que se repete pelo país ou se tem variações regionais. Aceito, de muito bom grado, comentários e depoimentos.
O cardápio, com ligeiras variações sazonais de legumes, folhas vegetais e frutas, era o seguinte. Segunda-feira tinha virado à paulista com couve, toucinho, ovos, cebolas, salsinha e, às vezes, bistecas.
O arroz era novo. O virado era feito com as a sobras do feijão da semana passada e uns toques mágicos da minha mãe que modificavam completamente o sabor do prato, dando um perfume e um sabor inesquecíveis.
Terça-feira tinha frango, feito de diferentes maneiras, ensopado, peito de frango grelhado, desfiado, assado, com legumes. Era acompanhado de arroz, não tão novo, e feijão. Era bom. Não era o máximo.
As quarta-feiras inspiradas tinham feijoada. Em casa, não era bem uma feijoada completa, mas um feijão preto com linguiça e paio, e couve. Nos botecos e restaurantes da vida, eram feijoadas completas, com tudo o que se tem direito. E é sagrada, todo o lugar tem.
Vou dar um parágrafo aqui senão fica muito grande. Assim também dá um certo suspense. Se bem que todo mundo sabe esse cardápio de cór.
Quinta-feira, o melhor dos dias, tinha macarrão, acompanhado ou não de bife ou frango. A maioria das vezes era à bolonhesa, com carne moída.
Às sextas, minha avó sendo muito religiosa, tínhamos arroz, feijão e peixe, sardinhas fritas ou filé.
Sábado, feijoada de novo e domingo, macarrão e frango assado. Nos dias excepcionais, de muito bom humor ou comemorações, faziam nhoques ou raviólis em casa. Sobremesa era só domingo mesmo, e às vezes. O resto da semana era fruta.
Curiosa, queria saber a origem desse cardápio. Em casa, sabia que éramos uma família de classe média e que tínhamos o privilégio de termos uma mesa variada e farta, ainda que repetitiva. Foi a rua, a comida do dia a dia, dos diferentes tipos de trabalhadores e trabalhadoras que me intrigava.
Dos botecos mais simples a restaurantes caros, todos pareciam seguir essa fórmula. Quando começou? Como começou?
Perguntei pra minha avó que me disse que a mãe dela, recém-chegada de Pizzo, na Itália, para São Paulo, fazia algo parecido, mas com dobradinha ou miúdos às terças.
Ela não gostava e substituiu por frango quando casou e teve que tocar a casa. Também não fazia feijoada, mas arroz com feijão clássico. Penso que, incialmente, essa divisão do cardápio teve a ver com o abastecimento das cidades. Quais eram os dias da feiras-livres? E os de açougue?
É de se notar que o uso de diferentes carnes pode ter a ver com o abate e com a disponibilidade das mesmas.
Também fico me perguntando se esse é um fenômeno paulista. Seria diferente em outras regiões do país, em outras cidades? Como disse no começo, escrevo essa coluna com mais dúvidas que certezas. Adoraria receber respostas contando como o cardápio familiar é organizado em outros lugares.
Edição: Leandro Melito