A Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI) das Fake News retornou do recesso parlamentar recheada de polêmicas e contradições. Durante a tarde de hoje (11), os deputados e senadores ouviram Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário da empresa Yacows, responsável por disparos em massa via WhattsApp de conteúdo político. Na mesa, uma série de irregularidades abordadas em um depoimento confuso.
As falas de Hans foram vagas e tentavam acusar o PT de ter contratado a empresa. Não foram apresentadas provas. Ao contrário, o depoente foi desmascarado em diferentes situações. As falácias não foram reconhecidas pela base do governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Os parlamentares de extrema-direita atuaram como advogados de Hans, em seguidas tentativas de legitimar o discurso.
Inicialmente, Hans não soube dizer quando trabalhou para a Yakows, disse apenas que foi no último ano eleitoral (2018). Foi questionado se trabalhou no começo do ano ou no final. Não soube responder. O período também é incerto. O depoente ainda afirmou que, enquanto trabalhava na empresa, fez campanha para o político José Police Neto, vereador de São Paulo pelo PSD. Acontece que Police Neto não concorreu nas eleições de 2018.
Em outro momento, Hans disse ter trabalhado para o deputado federal Rui Falcão (PT-SP). Disse que trabalhava horas a fio, chegou a comparar sua jornada à “escravidão”. Mesmo assim, não sabia o nome do petista; o chamou de Gabeira.
“Não sou obrigado a saber o nome do cara”, disse. Já sobre seu celular, que poderia conter histórico de mensagens para auxiliar na investigação, Hans disse ter perdido na rua após passar mal.
O diálogo
Após afirmar para Hans que está à disposição para ajuda-lo, caso ele venha a ser alvo de qualquer tipo de intimidação, a deputada petista do Rio Grande do Norte Natalia Bonavides conduziu um debate importante para o andamento da CPMI.
Natalia Bonavides: “O senhor sabe ao menos se trabalhou no começo do ano ou no fim?”
Hans River: “Exatamente, exatamente não vou lembrar. No primeiro semestre estava sendo chamado para campanhas”
NB: “O senhor disse que trabalhou na campanha do Police Neto em 2018. Isso foi trabalhando também na Yacows?”
HR: “Foi”
NB: “Police Neto não foi candidato em 2018. Foi para ele mesmo? O senhor disse que trabalhou para Lula, para o PT e para um candidato que não foi candidato”
HR: “Posso responder de maneira clássica. Não vou ficar lembrando datas de determinadas situações. Tem coisas que estou dizendo que se você sair e perguntar vão te afirmar”
NB: “A não candidatura de Police Neto é pública”
HR: “Não sou obrigado a lembrar”
NB: “Entendo que diante de tantas contradições, o senhor queira desviar a atenção. Se não quer responder perguntas, não tem problema”
HR: “Vou ser bem categórico. Se você teima em dizer que minha palavra é duvidosa, eu me calo”
E se calou…
O deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA) acusou o depoente de “jogar combinado” com a bancada do PSL, partido pelo qual Bolsonaro se elegeu. “O depoente quer desviar a atenção para agradar a plateia que o apoia, seus advogados de defesa, que é a bancada do PSL. Vieram aqui apenas para defendê-lo. Quem não deve não teme, deveriam pedir esclarecimentos e não querer criar uma cortina de fumaça”, disse.
Diante da fala mais dura de Jerry, Hans preferiu o silêncio: “O senhor começou mal, não vou responder a nenhuma pergunta sua”, disse. Mas o comunista continuou: “Não estou inventando nada, vossa senhoria se nega a responder porque está sentindo o nível de incoerência. As atas vão revelar graves inconsistências e, quem sabe, mentiras e omissões graves”, disse.
Jerry seguiu pedindo informações. “O silêncio da testemunha é comprometedor. Apresente uma circunstância plausível do seu trabalho para o PT. Tem que ter algum contrato, algum dia, hora, escritório, alguém, alguma coisa. Alguma coisa. Não dá a resposta porque não tem. Veio aqui para tentar desviar a atenção para algo que queremos investigar a fundo.”
Rui Falcão, diretamente envolvido, também seguiu a linha de Jerry. “É importante ficarem claras as inconsistências do depoimento. Particularmente a mentira de que fez campanha para Police Neto, disse duas vezes. Ele não foi candidato. Fique registrado sua cumplicidade ao dizer que havia práticas ilícitas em seu local de trabalho e hoje procura acobertá-las e desviar o assunto. Um depoimento que precisa ser tratado como cuidado.”
O processo
Hans foi convocado para a CPMI após ter um processo trabalhista contra a empresa Yacows divulgado pela Folha de S.Paulo. Mais especialmente por reportagem conjunta de Artur Rodrigues e Patrícia Campos Mello. O depoente acusou a jornalista de tê-lo enganado para conseguir uma entrevista, e que não sabe como ela teve acesso aos autos do processo. Patricia reagiu no Twitter:
De acordo com reportagem do periódico, Hans afirmou que empresas usaram CPFs de pessoas de terceira idade, além de CPFs falsos e outros mecanismos para disseminar os conteúdos, como mais de 500 celulares, mais de 500 funcionários, máquinas “chipeiras” com contas telefônicas, inclusive, do exterior.
Para o senador Humberto Costa (PT-CE), o ponto mais relevante levantado na oitiva fora justamente o funcionamento do mecanismo. “Hans descreveu vários crimes. CPFs falsos para aquisição de chips, chips internacionais adquiridos por meios fraudulentos e condições precárias de trabalho”. Hans chegou a dizer que trabalhadores dormiam na empresa. “Ele entregou tudo, mas qual o conteúdo dessas mensagens não sabemos”, completou Costa, sem resposta de Hans.
A defesa de Hans, na figura dos parlamentares bolsonaristas, se articulou rapidamente nas redes sociais. Eduardo Bolsonaro, deputado e filho 03 do presidente, atacou a jornalista Patrícia. Partiu para a misoginia: “Eita! Sr. Hans diz que Patrícia Campos Mello, correspondente internacional da Folha, se insinuou sexualmente para conseguir extrair informações dele. Agora imagine se fosse um homem se insinuando para cima de uma mulher?”, alardeou em seu Twitter.
A própria jornalista usou seu perfil na rede social para dizer que vai divulgar, em breve, conteúdos em áudio que provam seu trabalho ilibado no caso. Em nota, a Folha declarou que “repudia as mentiras e insultos direcionados à jornalista (…) O jornal reagirá publicando documentos que mais uma vez comprovam a correção das reportagens sobre o uso ilegal de disparos em redes sociais na campanha de 2018. Causam estupefação, ainda, o Congresso servir de palco ao baixo nível e às insinuações ultrajantes do deputado Eduardo Bolsonaro”.
Edição: Rede Brasil Atual