Carros e casas inundadas, roupas e móveis destruídos. Quatro dias após as enchentes que devastaram o estado de São Paulo no início da semana, centenas de atingidos ainda lidam diretamente com as consequências do temporal.
Mas, para além do dano material, os riscos à saúde que o contato direto com a água e com a lama podem causar, também é uma grande preocupação.
::Mudanças climáticas e planejamento urbano defasado agravam enchentes em SP::
É o que conta Vilmar Teles, agricultor e comerciante que trabalha na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), localizado na Vila Leopoldina, zona oeste da cidade, uma das áreas mais afetadas pela chuva.
Centenas de caixas de mangas, maracujá e jabuticabas de sua loja foram danificadas, o que Valmir considera pouco perto do que viu acontecer com outros vendedores. A Ceagesp estima que mais de 7 mil toneladas de alimentos, entre frutas, legumes e verduras, foram perdidas. Um prejuízo estimado em R$20 milhões.
O comerciante afirma que, percebendo rapidamente o aumento do nível da água, os trabalhadores fizeram o máximo que podiam para salvar os produtos e fugir da enchente.
“Estávamos preocupados com os funcionários estarem bem de saúde, saírem daqui com nenhuma gripe, sem problema com leptospirose. Graças a Deus eles chegaram em suas residências, fizeram sua higienização e estão trabalhando, estabelecidos para recomeçarmos”, conta Teles.
Segundo Alina Habert, infectologista do Hospital Emílio Ribas, a leptospirose, transmitida por uma bactéria presente na urina dos ratos, de fato é a maior ameaça à saúde durante enchentes. Mas, a especialista faz um alerta: a doença pode se manifestar até um mês após a contaminação.
Ela esclarece ainda que, ao contrário do que pensa o senso comum, não é preciso nenhum corte ou lesão na pele para ser infectado. Basta entrar em contato direto com a água por muito tempo, permanecer ou pisar em terra ou solo que estejam contaminados com a urina de rato, cenário muito comum após enchentes.
Para evitar a contaminação, o indicado é usar luvas e galochas para lidar com móveis e em andar em regiões afetadas pelos alagamentos.
Entre os sintomas da leptospirose estão febre, dor de cabeça, dor muscular, falta de apetite, náuseas e vômitos.
“Essas pessoas têm que ficar sob vigilância porque podem ter sintomas leves de leptospirose e, de repente, se tornar uma doença mais grave. Na verdade, o ideal é que quem ficou exposto à água de enchente procurasse uma unidade de saúde para averiguar a possibilidade de profilaxia [prevenção] para a leptospirose. Existem antibióticos para prevenir, já que é uma doença que cursa com gravidade e pode se manifestar até 30 dias depois da exposição”, explica Alina, acrescentando que, exatamente por isso, os atingidos devem estar atentos à saúde mesmo depois do escoamento da água.
Segundo o Centro de Vigilância Epidemiológica "Prof. Alexandre Vranjac" (CVE), ligado à secretaria de saúde do governo estadual, em 2019 foram registrados 570 casos de infecção e 83 óbitos. Em 2018, foram 571 pessoas infectadas e 84 mortes.
Outras bactérias causadoras de infecções graves e intoxicação alimentar, como a salmonella, causadora da febre tifoide, também podem estar presentes nas águas de enchentes.
Herbert pontua que é preciso tomar muito cuidado com a ingestão da água e alimentos contaminados, que podem causar viroses, fortes diarreias e febre.
De acordo com Fábio Rogerio Carbonieri, que integra a diretoria Sindicato dos Empregados em Centrais de Abastecimento de Alimentos do Estado de São Paulo (Sindbast), as 7 mil toneladas de alimentos afetados pela enchente no Ceagesp foram descartadas.
“Foram contratadas caçambas e os alimentos retirados foram direto para o lixo. Os comércios foram fechados para não termos risco de contaminação nenhuma”, diz Carbonieri, assegurando que os alimentos que entraram em contato com a água não foram comercializados. O Ceagesp foi fechado após a enchente e reabriu apenas na quarta (12).
O cuidado com a saúde do trabalhador, no entanto, não foi o mesmo. Segundo o Sindbast, muitos trabalhadores que trabalham na área do hortifruti e nas lojas térreas ficaram em contato direto com as enchentes durante horas e nenhuma orientação em relação à saúde foi dada por parte da Companhia.
A reportagem solicitou posicionamento por meio da assessoria de imprensa ao Ceagesp mas não obteve retorno.
Novo alagamento
Trabalhando há mais de 30 anos na Companhia, Enilson Simões de Moura, presidente da entidade, acredita que se chover novamente como no início da semana, o desolador cenário irá se repetir.
O volume de água registrado no intervalo de 24 horas entre domingo e segunda foi o maior dos últimos 37 anos para o mês de fevereiro, conforme informações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Para ele, não há políticas públicas estruturais que considerem as mudanças climáticas e as tragédias socioambientais que elas já estão gerando.
“A irresponsabilidade dos governantes é não se preparar para essa nova realidade. Isso é o novo normal. O normal são essa agressividade maior dos fenômenos naturais. O frio vai ser mais intenso, o calor vai ser mais intenso, e a chuva serão dessa maneira. São Paulo e nenhuma cidade o Brasil está preparada para isso. Sobretudo para o Ceasa, que está na confluência de dois rios. Ai que vai sofrer mesmo”, lamenta.
“É um prejuízo que vai cair nas costas do produtor. Essa é a verdade. Produtor é que vai deixar de receber por essa mercadoria que estava aqui e virou lixo”, reforça.
Estragos por toda a cidade
Priscila Luciele Cabral, auxiliar administrativa e moradora da Vila dos Remédios, em Osasco, teve sua casa destruída pela enchente da última semana. Ela conta que a água causou danos em toda vizinhança.
“Como tivemos muitas casas alagadas acima da cintura, a perda de móveis e eletrodomésticos, roupas, foi grande. E de carros também. Muitos ficaram de mãos atadas vendo a água entrando”, diz Priscila.
A jovem estava em casa com familiares no momento em que o nível da água subiu e invadiu a garagem, sala, cozinhas e quartos. No dia seguinte, ela e sua irmã sentiram dor de cabeça e decidiram ir a uma unidade médica no bairro vizinho.
Mas, apesar de Priscila sair de casa com o nível da água abaixo do peito, foi informada que deveria apresentar outros sintomas para exames serem efetuados e foi medicada apenas para a dor de cabeça.
Enquanto a água poluída pela chuva invadia a casa, na torneira faltava abastecimento. De acordo com Priscila, o fornecimento de água foi restabelecido apenas no fim da tarde de quarta (12), o que impediu ela e seus familiares de higienizarem o local rapidamente.
“Quando a água voltou estava turva e depois ficou bem branca. O descaso é grande. Três dias sem água sendo que o problema é em uma área atingida pela chuva. Ficamos sem água para limpar as casas, sem água pra beber. As ruas sujas, sem apoio nenhum”, critica a auxiliar administrativa.
Edição: Rodrigo Chagas