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Livro sobre Iemanjá aproxima mitologia afro-brasileira do universo infantil

E o rio levou de volta Iemanjá para os domínios de sua mãe, deusa do mar

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Escrito e ilustrado por Marlene Crespo, o livro é o resultado de uma pesquisa da artista em sobre a mitologia popular brasileira. - Marina Duarte
E o rio levou de volta Iemanjá para os domínios de sua mãe, deusa do mar

“Iemanjá se casou com Olofin, rei de Ifé, país das terras de lá. Depois de dar ao marido muitos filhos, Iemanjá acabou por se cansar da vida sem novidades no palácio de Olofin. Deixou o reino de Ifé e fugiu para bem longe. Iemanjá ficou morando nos mares, rios e lagos, sentada em trono de escamas, conchas e estrelas-do-mar”.

A história narrada pela artista plástica Marlene Crespo é um trecho do livro “Iemanjá, a deusa do mar”, que traz para o universo infantil uma parte da mitologia afro-brasileira. 

As descobertas desse universo são conduzidas por Marina, tataraneta de escravizados e filha de pescador. Um certo dia, ela se questiona sobre o que existe  depois da linha branca onde o céu encontra o mar. 

A partir daí, a menina viaja pelo oceano e mergulha na ancestralidade africana que há centenas de anos desembarcou no Brasil.

Escrita e ilustrada por Crespo, que hoje tem 87 anos, a obra foi publicada em 2019 pela Editora Expressão Popular. A autora conta que a construção da história é parte de um processo de descobertas sobre a cultura brasileira. 

“Esse livro foi justamente uma parte da pesquisa que eu fiz, sobre como se formou o mito de Iemanjá no Brasil, que é um mito popular. Eu gosto de pesquisar essas histórias. É a proximidade e assimilação da nossa cultura com o todo verdadeiro de tradições”, conta. 

Encontro de culturas

O título do livro remete às religiões de matriz africana. Iemanjá é um dos orixás cultuados no panteão afro-brasileiro e está associada ao mar, à fertilidade feminina e à maternidade. É também regente da pesca. 

O seu nome tem origem nos termos do idioma Yorubá “Yèyé omo ejá”, que significam “Mãe cujos filhos são como peixes”.

Seu dia é celebrado em 2 de fevereiro. A festa é uma das mais populares e valorizadas do Brasil.

Em Salvador (BA), a celebração chega a receber 800 mil pessoas entre fiéis e admiradores, na praia do Rio Vermelho. Este ano, a festa se tornou patrimônio cultural da cidade, reconhecida pela prefeitura através da Fundação Gregório de Mattos.

A cientista da religião e jornalista Claudia Alexandre explica que, além de orixá das religiões de matriz africana, Iemanjá também é um dos elementos do encontro de culturas, por isso está presente no imaginário popular e na identidade brasileira.

“É uma construção que junta todas as crenças da formação do povo brasileiro. A a gente vê a Iara da mitologia amazônica, a gente volta à mitologia grega, que tem as sereias, e tem também a Iemanjá da tradição africana. São elementos sagrados femininos que saltam das águas, e que a religiosidade popular constrói como uma Iemanjá enquanto representação", aponta.

Iemanjá africana

Alexandre ressalta que há um movimento que diferencia a Iemanjá do imaginário popular, presente no sincretismo das religiões, da Iemanjá africana. Para ela, é importante evidenciar o orixá como "símbolo do povo negro", que construiu a religiosidade dos terreiros como enfrentamento à opressão e violência. 

"Essa associação também precisa ser vista como uma forma também de resistência e sobre uma lógica negro-africana. A Iemanjá orixá é negra. Essa Iemanjá do imaginário popular brasileiro é uma mulher branca de cabelos longos, vestida de azul. São discussões que são reivindicadas por um povo que quer resistir com a sua tradição", pontua.

Para a pesquisadora, livros como "Iemanjá, a deusa do mar", de Marlene Crespo, podem abrir caminho para o combate à intolerância religiosa, que ainda persiste no Brasil. 

"A partir do momento que você ensina às crianças que não se deve violentar o outro pelo que ele acredita, você vai ter adultos melhores", conclui.

 


 

Edição: Geisa Marques