O número de homicídios no Brasil sofreu uma importante redução no ano passado. Dados divulgados pelo site G1, em parceria com o Fórum de Segurança Pública e o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), apontam que o índice teve uma queda de 19% em 2019 em comparação com o ano anterior.
A diminuição era esperada pelo governo federal. No último dia 16 de janeiro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública já havia anunciado uma queda de 21,4% nos assassinatos nos primeiros nove meses de 2019.
Desde então, o ministro titular da pasta, Sérgio Moro, e o presidente Jair Bolsonaro, se revezaram na imprensa e nas redes sociais celebrando a conquista. Porém, especialistas em Segurança Pública escutados pelo Brasil de Fato refutam a possibilidade de que a redução nos índices de homicídios estejam atreladas a políticas implementadas pelo governo federal.
“2019, nosso primeiro ano de governo: o menor índice de assassinatos na década. Estamos do lado certo”, celebrou Bolsonaro no Twitter.
“Ainda há muito a fazer, mas o resultado mostra que estamos no caminho certo! Seguimos firmes na missão de devolver aos cidadãos a segurança e liberdade que lhes foi tirada”, continuou o presidente em outra publicação na mesma rede social.
No último sábado (15), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, estreou o programa O Brasil precisa saber, em seu canal no Youtube, com uma entrevista com Sérgio Moro e abordou o assunto. “Com o senhor à frente do ministério da Justiça, vimos a redução de cerca de 22% no número de homicídios”, afirmou o parlamentar.
Instigado a falar sobre o tema, Morou reivindicou a queda nos índices para o governo, com ênfase para a pasta que comanda.
"Tem um mérito dos governos dos estados e alguns municipais, mas igualmente do governo federal. Foi uma queda significativa e, o que podemos identificar, foram várias ações tomadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. Também pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, principalmente, para reduzir esses indicadores”, afirmou.
Bruno Paes Manso, pesquisador do NEV, lembra que a queda de 19% no número de homicídios confirma uma tendência de recuo nos indicadores, que vem desde 2018, quando o Brasil reduziu em 13% os assassinatos, em relação a 2017.
Em números reais, o Brasil terminou 2019 com 41.635 homicídios, em 2018 foram 51.558 e em 2017, o país chegou a 59.128. Para Manso, os números, mesmo com a redução, são “terríveis”. Perguntado se o governo federal é responsável pela redução dos indicadores, o pesquisador é enfático.
“Não, isso não teria nem tempo, na verdade. Os homicídios começaram a cair em 2018, em dezembro de 2017 já começou a tendência de queda e seguiu em 2018, assim como em 2019. Agora, se formos pensar no que o governo fez na esfera federal, para tentar controlar a violência, foi praticamente zero, ele perdeu muito tempo com as pautas relacionadas à flexibilização do porte e posse de armas. Ainda bem que deu errado. Também perdeu muito tempo tentando aprovar o plano de segurança do ministro Sérgio Moro. Essas foram as duas iniciativas que não produziram nenhum efeito prático no dia a dia. O que nós estamos vendo são ações dos governos estaduais, que tem o protagonismo da Segurança Pública”, explica Manso.
Queda nos estados
O Ceará, que enfrenta uma crise na Segurança Pública, com policiais organizando motins e manifestações, uma delas culminou na tentativa de assassinato do senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE), é o estado com maior queda nos homicídios e responsável direto pela marca expressiva alcançada. Em 2017, foram 5.134 assassinatos, já em 2018, uma importante redução para 3.780. Porém, é em 2019 que esse recuo se confirma, com uma queda de 52%, baixando para 1.764.
Luis Fábio Paiva, professor de Sociologia da Universidade Federal do Ceará e pesquisador do Laboratório de Estudos de Violência (LEV), aponta 2017 como o “ano mais letal” dos cearenses, com “intensa guerra entre as facções que atuam no estado”.
Para o acadêmico, a redução no estado nordestino tem diversas justificativas, mas nenhuma passa pela atuação do governo federal.
“Primeira coisa que temos que observar é se o governo Bolsonaro teve algum programa para a área de Segurança Pública. Eu desconheço. O ministro da Justiça, que não tem competência e nem conhecimento sobre a área de Segurança Pública, apresentou projetos de lei que vão demorar muitos anos para que os efeitos sejam sentidos na sociedade, se o forem”, critica Paiva.
Ainda de acordo com o sociólogo, “você não pode pegar só o dado de 2019 e comparar com o de 2018. Nós tivemos dois anos de muitos homicídios. Nós saltamos para 5 mil homicídios. No ano de 2019, nós tivemos uma queda muito significativa, mas ainda estamos com quase 2 mil homicídios. Não podem esquecer que 2018 começou com ataques de facções, um mês inteiro de ataques, e violência policial também.”
O governo cearense, que nos últimos cinco anos contratou dez mil policiais, tem sufocado a atuação da Guardião do Estado (GDE), uma das facções que atuam no estado. Porém, ainda sofre com a presença do Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) e Família do Norte nos presídios cearenses.
Em 2018, 24 das 27 unidades da federação tiveram queda nos índices de homicídios. Agora, em 2019, todos os estados tiveram redução. O Mato Grosso do Sul, com apenas 3,1%, foi quem apresentou a menor baixa.
Hegemonia do narcotráfico
Para Manso, a dinâmica das facções cooperam para compreender o nível de tensão nas ruas. “O que costuma acontecer, nessa lei da narcoeconomia, é que quando existe competição no mercado de drogas, como não é um mercado mediado por regras públicas, essa mediação acaba sendo feita na bala e a lei do mais forte acaba prevalecendo. Então, quando o mercado é competitivo e existe concorrência, tende a aumentar a violência. Quando existe hegemonia, como em São Paulo, onde o PCC conseguiu organizar o mercado de drogas e se tornar o distribuidor hegemônico, a violência tende a diminuir”, explicou.
Ainda de acordo com o pesquisador do NEV, a atuação da inteligência dos estados cooperou para um recuo das facções. “O que acontece é que 2017 foi um ano atípico, que começou com as rebeliões no Norte e Nordeste, com centenas de mortos, e isso tensionou os presídios no Brasil. Os presídios, hoje, são os escritórios do tráfico de drogas no território, então eles são estratégicos para esse comércio. Hoje, os próprios presídios estaduais, percebendo o papel dos chefes do tráfico na dinâmica da violência externa, passam a punir, mandando para os presídios federais, aqueles que davam ordem para matanças do lado de fora. Ou seja, os chefes ficaram mais vulneráveis, tiveram que tomar cuidado.”
Líderes de facções fora dos estados
Entre os argumentos elencados por Moro e Bolsonaro como responsáveis pela diminuição do índice de homicídios, estão as transferências de líderes de facções criminosos para presídios federais.
Em fevereiro de 2019, Williams Herbas Camacho, o Marcola, referência do PCC, foi transferido para uma penitenciária em Rondônia. De lá, foi levado para Brasília. Ibaneis Rocha (MDB), governador do Distrito Federal, tem protestado e chegou a acionar a Justiça para que o criminoso seja transferido. Porém, a Advocacia-Geral da União (AGU) têm defendido sua permanência na capital.
Paiva não concorda que a transferência influencie a dinâmica da violência no país. “A transferência de líderes de facções para presídios federais não é uma novidade. As facções deixaram de atuar por conta disso? De forma alguma. O PCC continua com muita força na região de fronteira e nas grandes cidades. Então, você continua tendo essas organizações atuando. Nesse período de 2019, por uma série de rearranjo de forças, numa série de estados onde havia um conflito aberto, como no Ceará, esse conflito foi menos intenso, causando menos mortes.”
Edição: Leandro Melito