Entrevista

Bolsonaro já deu margem “várias vezes a pedido de impeachment”, diz Bandeira de Mello

Depois da polêmica provocada em pleno Carnaval, o presidente, como de praxe, recuou

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Segundo o chefe do Executivo, a mensagem foi enviada a “algumas dezenas de amigos” que tem no WhatsApp - Marcos Corrêa / Presidência

Assim como diversas vozes da sociedade brasileira, além de operadores do direito, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello acredita que a mais recente atitude do presidente da República, Jair Bolsonaro, ao convocar ou estimular ato contra o Congresso e o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), assim como outras instituições, já é suficiente para justificar um pedido de impeachment.

“Claro que ensejaria um pedido de impeachment, é evidente que ensejaria. Precisa ver se o pessoal tem coragem de fazer isso. Mas que tudo isso já deu margem várias vezes a pedido de impeachment, disso eu não tenho dúvida”, diz.

No entanto, Bandeira de Mello não vê motivos para alarme ou ameaças mais concretas à democracia. “Acho que a única coisa que nos deve preocupar é o fato de que esse indivíduo foi escolhido pelo povo. Não podemos mais dizer: ‘foi um golpe militar’. Não, foi o povo brasileiro que escolheu esse indivíduo.”

Para o jurista, “os militares não são um risco” à democracia no país. “Já foram, não são mais. Já passou a época. Eles mesmos perceberam. Acabou isso, é outro tempo histórico.”

Depois da polêmica provocada em pleno Carnaval, que provocou reações de inúmeras lideranças – do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e líderes no Congresso –, Bolsonaro, como de praxe, recuou. Segundo o chefe do Executivo, a mensagem foi enviada a “algumas dezenas de amigos” que tem no WhatsApp e “qualquer ilação fora desse contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República”.

Já o decano do STF, ministro Celso de Mello, afirmou, em mensagem enviada ao jornal Folha de S.Paulo, que a atitude de Bolsonaro, se confirmada, revela “uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce”.

Embora não veja motivos para alarme e ressalve que pode até estar errado nesse ponto de vista, Bandeira de Mello observa: “Eu nunca esperei que o Brasil chegasse a esse nível”.

Rede Brasil Atual: Como o sr. encara mais essa atitude do presidente da República?

Bandeira de Mello: É mais uma manifestação aloprada dele. Tem se portado muito mal. Mas não creio que a gente deva se alarmar.

O Congresso e o STF devem se manifestar, por exemplo como o ministro Celso de Mello? Por que não deve haver alarme?

Acho que devem se manifestar, claro, e repelir essas afirmações irresponsáveis. Mas isso é da personalidade dele. Acho que a única coisa que nos deve preocupar é o fato de que esse indivíduo foi escolhido pelo povo. Não podemos mais dizer, como em outras ocasiões: “foi um golpe militar”. Não, foi o povo brasileiro que escolheu esse indivíduo. Isso sim, é terrível, é alarmante. Mas vamos deixar passar um pouco essa onda, não é? Isso vai passar, é uma onda. Vai passar, não tenha dúvida.

Dias antes da eleição de Bolsonaro, o sr. comentou que “o que causa estupor é metade do Brasil ou mais da metade ter aderido a um candidato que não tem história, que só se faz conhecido por declarações bombásticas, absurdas”. O sr. continua com a mesma opinião…

Isso, sim. O que realmente me alarma é o fato de o povo brasileiro ter feito essa escolha. Isso me deixa estupefato. Eu nunca esperei que o Brasil chegasse a esse nível. Nunca. Mas o que se vai fazer? O povo escolheu, não é?

A democracia não corre risco, com tantos militares no poder e o presidente com esse comportamento?

Não, acho que os militares não são um risco. Já foram, não são mais. Já passou a época. Eles mesmos perceberam. Acabou isso, é outro tempo histórico. Eu acho, pelo menos é minha maneira de ver. Posso estar errado, a gente pode estar errado numa opinião.

O fato de ele ter colocado um bando de militares revela apenas o desejo dele de ter uma retaguarda nessa esfera. Mas, sinceramente, eu não estou alarmado. Claro que o Supremo deve responder, o Congresso deve responder, todos devem se manifestar.

Na sua opinião, isso ensejaria um pedido de impeachment, assim como o ataque à jornalista da Folha de São Paulo (Patrícia Campos Mello), por exemplo?

Claro que ensejaria um pedido de impeachment, é evidente que ensejaria. Precisa ver se o pessoal tem coragem de fazer isso. Mas que tudo isso já deu margem várias vezes a pedido de impeachment, disso eu não tenho dúvida.

Diante da conjuntura, o Brasil vai passar por essa crise?

Acho que vai passar por essa crise. Nem os militares querem golpe. Eles tiveram essa experiência, que foi ruim para eles. Os militares sempre tiveram um grande prestígio no Brasil. Foi só depois do golpe de 1964, de 1967, que se criou um clima de suspeita em relação aos militares, porque eles sempre foram bem vistos no Brasil.

Os setores progressistas da sociedade brasileira estão reagindo à altura de tantos ataques à democracia?

Não, não estão reagindo à altura. Mas o importante é que o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional se manifestem. Logo parava essa onda. Isso é uma onda.

Bolsonaro já recuou, dizendo que só mandou a mensagem aos amigos etc. Isso faz parte de um jogo de cena?

Ele sempre faz isso, é uma atitude dele, habitual. Não é novidade também. Acho que nós não estamos diante de grandes novidades. Não se espera desse homem um comportamento sereno, equilibrado.