O documentário premiado Indústria Americana tem muito a nos ensinar pela narrativa de mulheres negras, que ocupam boa parte dos postos de trabalho precários. O filme registra a chegada dos chineses em uma fábrica de vidro nos Estados Unidos (EUA). Obviamente que há muito em jogo nesse filme, considerando que a produção é da família Obama.
O fechamento de uma fábrica nos EUA dá lugar à multinacional chinesa Fuyao que implementa outra cultura organizacional e de condições de trabalho. Trabalhadores chineses e estadunidenses dividem o mesmo ambiente de trabalho, deslocando e afirmando suas diferenças.
Acostumados a extensas jornadas de trabalho, com apenas duas folgas ao mês, os chineses caracterizam os estadunidenses como "preguiçosos". Uma mulher negra chora diante dos gritos e das ordens de chefes chineses. As mesmas pessoas que trabalhavam na fábrica anterior são recontratadas pela multinacional, mas com salários três vezes menores e com piores condições de trabalho.
Na China, o giro de câmera pela fábrica incomoda, porque denuncia a falta de equipamentos de proteção individual e coletiva. Todos trabalham com manipulação de vidro, e não há regulação interna para proteção da saúde e da segurança do trabalhador. Fica aparente que a direção do filme quer marcar o choque entre duas culturas, mas é bom lembrar que se o modelo trabalhista chinês é um dos piores do mundo para o trabalhador, o americano também é, pois não garantem as formas coletivas de reivindicação.
E é importante destacar que a reforma trabalhista implementada no Brasil é importada dos EUA, país que tem péssimas condições de trabalho, onde boa parte das pessoas realiza o trabalho intermitente (pagamento por horas trabalhadas permitindo mais de um emprego). Os EUA não são, definitivamente, exemplo de regulação do trabalho. O chamado "sonho americano", que é a base ideológica do capitalismo atual, exige muitos empregos, muitas horas de trabalho, sem acesso à saúde e educação pública, e com muita restrição ao direito de livre organização sindical.
No filme, uma mulher negra, que defende a implementação do sindicato é perseguida, e a empresa a designa para desempenhar uma função sozinha que deveria ser exercida por duas pessoas. Os trabalhadores da fábrica, por exemplo, enfrentam perseguições, demissões e assédios para não organizarem um sindicato dentro da empresa.
Essa prática antissindical faz parte da legislação trabalhista estadunidense que privilegia a negociação individual e dificulta a coletiva. Inclusive, consultorias são contratadas a peso de ouro para impedirem a implementação de sindicatos nas empresas dos EUA. Nesse ponto, o filme peca. E feio. Porque não mostra a realidade estadunidense em relação à regulação do trabalho e organização sindical e, inclusive, sobe o tom no nacionalismo.
O final também mostra o impacto da Indústria 4.0 que gerará um desemprego estrutural em todo o mundo, mas sem problematizar o aprofundamento da desregulação do trabalho. A intenção dos Obama me parece óbvia: a disputa de hegemonia entre China e EUA no mundo, criando uma falsa armadilha de disputa entre os trabalhadores dos dois países, mas a precarização imposta pelo capitalismo é global.
A nova faceta do capitalismo estimula a precarização do trabalho, sem garantias, sem regulamentação e sem revindicação coletiva, caracterizando o trabalho na sua face crua e desigual. E às mulheres negras recairá a maior precarização possível.
No Brasil não será diferente com a acelerada implementação da reforma trabalhista e o impacto da Indústria 4.0. Hoje, o discurso do governo federal é de que a reforma irá aumentar o número de empregos, mas o que aumentou foi a informalidade e a precarização. Não há ilusão de que na atual fase do capitalismo de que todos e todas nós seremos ainda mais precarizados e explorados.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o Supermercado Guanabara anunciou a intenção de demitir cerca de 4.000 trabalhadores, com o objetivo de recontratar com salários menores e jornadas mais extensas. Se o capitalismo é cruel ao reinventar e intensificar formas de exploração, nós, trabalhadores, sabemos que para cada nova forma de poder há uma nova forma de resistência. E precisamos nos apoiar, cada vez mais, na construção de corpo coletivo e em uma política de alianças que seja anticapitalista, feminista, antirrascista e antiLGBTIfóbicas.
Uma frase de uma trabalhadora estadunidense nos aponta: "Todo emprego que tive, como mulher negra, foi [por meio de contrato negociado pelo sindicato] que tive alguma chance, algum direito".
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Vivian Virissimo