Elizabeth Torres acorda todos os dias às 5h, prepara seu café da manhã e o de sua neta, deixa a menina de 4 anos na escola e segue caminho para o santuário, atravessando a rua em frente a sua casa.
"Desde que a capela foi construída eu estou aqui todos os dias. E todos os dias recebo visitas, as pessoas vem para vê-lo, perguntam sobre os causos”, conta.
Um espaço vazio entre dois quiosques foi suficiente para levantar o pequeno santuário em homenagem ao comandante. A capela foi construída em 2013 pelo coletivo La Piedrita, o grupo Primer Paso e pela comuna Simón Bolívar, a qual Elizabeth faz parte.
A obra foi levantada durante os dez dias em que o corpo de Hugo Chávez foi velado no quartel 4F, há poucos metros de onde se encontra o atual santuário, na favela 23 de Enero, em Caracas.
“Às vezes eu estou aqui e começo a conversar com ele, muitas pessoas me chamam de louca, mas eu não me importo. Se tenho que morrer por essa loucura, morrerei, porque se o comandante deu sua vida por nós, assim nós faremos. Se é necessário perder nossa vida por essa Revolução e por essa pátria, perderemos”, sentencia.
Se o comandante deu sua vida por nós, assim nós faremos. Se é necessário perder nossa vida por essa Revolução e por essa pátria, perderemos.
Elizabeth Torres têm sua vida selada com o comandante Hugo Chávez, de uma maneira quase mística. Um de seus netos nasceu no dia 28 de julho, assim como o comandante. Sua filha nasceu no dia 5 de março, data em que ele faleceu.
Ela diz que se tornou chavista no dia 4 de fevereiro de 1992, quando conheceu o comandante.
Enquanto os militares rebeldes se escondiam nas escadarias em frente à casa de Elizabeth, poucos minutos antes de tomar o museu militar – atual 4F –, na tentativa de derrocar o governo de Carlos Andrés Pérez, a dona de casa lhes serviu café da manhã.
“Pelas escadas da minha casa havia uma passagem pra chegar à entrada do quartel. Eu acordei assustada porque era normal, durante esse governo, ter medo de ver tantos militares armados, com cara pintada na porta da sua casa. Quando abri a janela e vi um monte soldados, fechei rapidamente e corri pro meu quarto avisar meu esposo. Então ele abriu novamente a janela e um soldado se aproximou e disse ‘não tenham medo, estamos com Chávez’. E eu pensei: quem é Chávez? Foi quando esse soldado me explicou o que estavam fazendo e eu decidi preparar-lhes café”, relembra.
Um soldado se aproximou e disse ‘não tenham medo, estamos com Chávez’.
Nesses minutos de conversa, os militares do levante militar do 4F falaram sobre seus objetivos políticos e ensinaram a família a se proteger, caso acontecesse um confronto armado na porta da sua casa. Elizabeth conta que lhe ensinaram a levantar uma trincheira, a reconhecer quais militares eram aliados e como funcionavam algumas armas. A conversa a ajudou a entender os motivos do levante militar e a confiar no grupo rebelde.
Ela conta que, na ocasião, entregou dois copos cheios de café ao soldado que estava mais perto da sua porta, os militares repassaram a bebida até chegar a Chávez, que tomou um gole de cada copo. “Na minha ignorância, pensei: que prepotente esse senhor, por que ele toma o café primeiro?”, afirma. Mais tarde Elizabeth que na verdade o comandante protegia sua tropa.
“Desde esse dia eu comecei a amar o Chávez. Nesse 4 de fevereiro de 1992 ele nos abriu os olhos, ensinou o que era uma pátria livre e soberana.”
Ele nos abriu os olhos, ensinou o que era uma pátria livre e soberana.
Quatro anos depois, Elizabeth e sua família fizeram parte da campanha eleitoral que garantiu a primeira vitória de Chávez como presidente da Venezuela. Conta que cuidaram de cada colégio eleitoral e no dia da vitória saiu correndo pelas ruas até o Palácio Presidencial de Miraflores para celebrar.
“Nós sabíamos que esse era o homem que vinha nos resgatar, porque dizíamos que estávamos dormindo. Em outros governos eu não poderia estar aqui conversando com você, porque não havia liberdade de expressão, você não podia falar, não podia dizer o que sentia.”
Comunidade organizada
Elizabeth viveu todos os seus 55 anos na favela 23 de Enero, centro de Caracas, um lugar marcado pela violência, mas também pela luta social, que deu nome à comunidade.
No dia 23 de janeiro de 1958, moradores dessa comunidade se alçaram em armas junto com alguns militares para derrotar a ditadura de Marcos Pérez Jiménez (1951 – 1958). Coordenados por organizações que viviam na clandestinidade, como o Partido Comunista da Venezuela, o movimento foi derrotado.
Jovens e adultos foram perseguidos e o bairro foi estigmatizado durante as décadas seguintes do chamado Pacto de Punto Fijo, associação entre as duas maiores organizações social democratas (Copei e Ação Democrática) que implementaram um rodízio bipartidário na Venezuela.
No entanto, 40 anos depois, com a eleição de Chávez e o início da Revolução Bolivariana, o bairro passou a ser revitalizado pelo Estado. Ruas foram asfaltadas, casas pintadas, espaços de lazer, esporte e encontro da comunidade foram construídos, com a missão Bairro Adentro receberam atenção médica e hoje a comunidade é um bastião do chavismo, lar do quartel 4F e do túmulo do "comandante eterno".
Santuário protegido
Repleto de flores e mensagens, o santuário é parada obrigatória para quem visita o túmulo do ex-presidente. Elizabeth conta que familiares de Chávez, assim como Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional Constituinte e o próprio presidente Nicolás Maduro são alguns dos visitantes mais assíduos.
Antes de ser guardiã do santuário, Elizabeth trabalhava como ambulante. Vendia doces nessa mesma rua, em frente à sua casa e ao quartel da montanha. Quando chegou ao poder, Chávez decidiu construir quiosques para que sua “vieja” e outros companheiros pudessem trabalhar num lugar protegido. A partir daí, essa via foi batizada como Bulevar da Dignidade.
Sempre que visitava o bairro 23 de Enero, passava pelos quiosques para conversar. Em um desses dias, soube que um dos netos de Elizabeth, Alan David, havia nascido prematuro de 8 meses e com uma má formação facial – uma fissura palatina e lábio leporino.
Ele não podia comer, nem beber nada, porque poderia morrer afogado. Necessitava cirurgia, além de sondas que pudessem alimentá-lo e retirar a fleuma dos pulmões.
“Então eu recorri ao meu comandante, que prontamente me atendeu e me deu um papel em que ele solicitava que me ajudassem no que fosse necessário. Com essa mensagem que me deixou Chávez eu pude obter os medicamentos e assegurar o tratamento do meu neto, que esteve 16 dias em terapia intensiva. Hoje meu neto vai completar 15 anos, graças ao meu comandante”.
Desse dia em diante, sempre que passava pelo quiosque Chávez dizia “Vieja, como anda meu menino?” e pedia para vê-lo. “Não lhe importava que meu neto ainda tinha algumas complicações para comer, beber e falar. Ele limpava seu rostinho e lhe enchia de beijos”, lembra.
Espírito presente
Elizabeth, assim como a maioria dos venezuelanos é uma mulher genuína. De emoções à flor da pele, riso fácil e braços sempre abertos para um abraço. E quando sente saudade ou nostalgia não tem pudor em chorar.
No dia 5 de março de 2013, Elizabeth saiu cedo de casa para comprar um bolo de aniversário para a sua filha. No ônibus de volta, escutou que as pessoas falavam que Chávez havia falecido. Incrédula, xingou e disse que isso os opositores jamais conseguiriam.
“Quando cheguei em casa e vi pela televisão Nicolás Maduro chorando, eu sabia que ele havia partido. Desde então estou aqui com meu comandante, aprendendo cada dia mais com ele. Choro, porque tenho nostalgia, porque ele me faz muita falta.”
Elizabeth lembra que um dos últimos pedidos de Chávez a Deus, quando descobriu que tinha câncer, era que lhe desse vida, porque ainda havia muito que fazer.
“Ele se foi e nos deixou pátria. Deixou direito ao alimento, à educação. E vejo que muitos dos seus sonhos continuam sendo cumpridos. Vejo que ele está ao lado do nosso presidente Nicolás Maduro orientando. Lá no céu ele segue nos iluminando.”
Ele se foi e nos deixou pátria. Deixou direito ao alimento, à educação. E vejo que muitos dos seus sonhos continuam sendo cumpridos.
Há cinco anos nas Brigadas Bolivarianas, Elizabeth Torres já é Sargento II e ajuda na segurança da sua comunidade e na defesa do território venezuelano. “Aqui seguimos, joelho na terra, lutando e construindo essa pátria soberana que nos deixou nosso presidente amado”.
Edição: Rodrigo Chagas