A decisão do governo Bolsonaro de esvaziar a embaixada brasileira na Venezuela é a consolidação de uma ruptura que fere a Constituição e não sustenta justificativa plausível, afirmam especialistas em relações internacionais ouvidos pelo Brasil de Fato.
Na quinta-feira (5), o governo brasileiro publicou portarias que removem quatro diplomatas e 11 funcionários da embaixada em Caracas, a capital venezuelana – incluindo a cônsul-geral, Elza de Castro, e os conselheiros Carlos Leopoldo de Oliveira e Rodolfo Braga.
Em paralelo às remoções, o Itamaraty comunicou a representantes do governo de Nicolás Maduro que eles devem deixar o país. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, os diplomatas serão expulsos caso não atendam à ordem. Na prática, isso significa o fechamento da embaixada venezuelana em Brasília (DF). Não se sabe ainda qual foi o prazo estabelecido para a saída.
Essas são as medidas mais drásticas tomadas pelo governo brasileiro contra o país vizinho desde o reconhecimento do governo ilegítimo do deputado Juan Guaidó, em janeiro do ano passado, por parte de Bolsonaro.
“É preciso notar que a atitude do governo brasileiro contraria e afronta a Constituição Brasileira no seu artigo 4, que diz que a política externa deve seguir o princípio da autodeterminação e da não-intervenção. Ora, o governo brasileiro reconheceu como presidente da Venezuela um indivíduo não eleito, um indivíduo que não tem nenhuma legitimidade”, explica Samuel Pinheiro Guimarães, ex-secretário-geral do Itamaraty.
Para o diplomata, a medida do Itamaraty é mais um capítulo da subserviência de Bolsonaro aos interesses do presidente estadunidense, Donald Trump. “Há muito tempo que o governo brasileiro vem tendo uma política em relação à Venezuela que é caudatária da política norte-americana”, afirma Guimarães.
Igor Fuser, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), concorda que as remoções só atendem a interesses de Trump, já que a Venezuela é historicamente um país com boa relação de cooperação com o Brasil.
“A Venezuela é um país que jamais causou qualquer mal ao Brasil. Em nenhum momento o governo venezuelano interferiu nos assuntos brasileiros, em absolutamente nada. Não interferiram na política brasileira, não causaram nenhuma perturbação no Brasil ou coisa do gênero. A Venezuela sempre se comportou como um país amigo do Brasil, um país que sempre mostrou interesses em relações pacíficas”, reforça o professor.
Consequências
Com a ruptura do governo brasileiro com os venezuelanos, a relação comercial entre os países deve piorar ainda mais – em 2019, as exportações do Brasil à Venezuela já haviam caído 27,36% em relação ao ano anterior, ao somar US$ 418,11 milhões. Já as importações de produtos venezuelanos tiveram queda de 52,71% (US$ 80,8 milhões) na mesma comparação.
Para além do natural declínio comercial, Igor Fuser alerta que o principal prejuízo com as ações brasileiras recairá aos cidadãos comuns, principalmente venezuelanos que vivem no Brasil e, em menor força, em brasileiros que moram na Venezuela.
“Esses venezuelanos [que vêm ao Brasil] muitas vezes têm grandes dificuldade. Eles vêm para cá sem dinheiro, não conseguem trabalho. Têm dificuldade para ter atendimento médico, muitas vezes até dificuldade para se alimentar, para se abrigar. Muitas são famílias com crianças pequenas. A existência de uma embaixada e de um consulado funcionando, embora em uma situação ambígua, é um ponto de apoio para essas pessoas”, comenta o professor.
Outra consequência imediata se dá em Roraima, estado cujo consumo de energia elétrica é bancado, na metade, pela represa venezuelana de Guri, no norte do país. Com relações rompidas pelo governo do Brasil, o uso da produção vizinha vira um impasse a ser resolvido.
Fuser diz que, mais do que para criar rusgas sem motivos com a Venezuela, o Brasil cria problemas para si mesmo ao anunciar as medidas de rompimento.
“Os verdadeiros interesses brasileiros estão sendo prejudicados. Interesses de cidadãos e empresas brasileiras. Coloca-se em risco a segurança energética de um estado brasileiro, que é o estado de Roraima, e se sacrifica, mais uma vez, interesses maiores da integração latino-americana”, sentencia.
Edição: Vivian Fernandes