Coluna

Sobre rainhas, brioches e guilhotinas 

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A falta do alimento básico da população, o trigo, jogava uma imensa maioria de pessoas na miséria e na fome - Foto: Element5 Digital / Unsplash
Os últimos acontecimentos me fizeram querer voltar a outro período de extrema desigualdade

Depois de alguma procrastinação, resolvi escrever, a pedidos, sobre a famosa frase atribuída à rainha Maria Antonieta às vésperas da Revolução Francesa, “Se não têm pão, que comam brioches”.

Muitas foram as razões do meu adiamento em escrever uma coluna sobre aquele episódio, mas os últimos acontecimentos que estamos vivendo me fizeram querer voltar a outro período de extrema desigualdade, brutais privilégios, fervor religioso e uma luta feroz para mudar as coisas.  

E a Revolução Francesa foi tudo isso – e tudo mudou de maneira tão radical que o mundo nunca mais foi o mesmo. Então vou começar bem do comecinho.  

A primeira coisa que temos que ter em mente é que provavelmente a rainha Maria Antonieta, casada com o rei da França Luís XVI, nunca disse a tal frase. Sabendo disso, podemos nos voltar à história pois muitas vezes a atribuição de frases, eventos ou acontecimentos a determinadas pessoas nos diz muito sobre o que estava acontecendo em determinado período histórico. E é disso que vamos falar.  

Às vésperas de 1789, a França passava fome. Colheitas ruins, impostos altos, privilégios aristocráticos que saltavam aos olhos da sociedade, faziam com que o clima político da França naqueles anos que antecederam o começo da revolução fosse explosivo.

Fechados em castelos magníficos, como Versalhes nos arredores de Paris, os nobres viviam em meio à riqueza e ao luxo. Enquanto isso, o resto da sociedade pagava pelas extravagancias de poucos privilegiados. As coisas estavam no limite e qualquer problema parecia que explodiria todo o sistema.  

A péssima gestão agrícola e ambiental, aliada uma dívida nacional incontrolável, uma inabilidade política extrema do monarca e novas ideias sobre como deveria se organizar a sociedade, foram os principais fatores que deram início à crise que desembocaria na Revolução Francesa.  

Enormes discussões aconteceram no parlamento francês sobre uma maior participação do povo. O rei não concordava em ceder.  

Assim, a crise do pão não era um problema menor do governo absolutista. A falta do alimento básico da população, o trigo, jogava uma imensa maioria de pessoas na miséria e na fome.

Mulheres reclamavam da falta de alimentos para as crianças e para a família, homens reclamavam dos altos impostos cobrados pelo governo. Era um barril de pólvora política prestes a explodir. Até que no dia 14 de julho de 1789 a população de Paris se revoltou e marchou para pôr abaixo um dos símbolos máximos da opressão francesa, a prisão da Bastilha. 

Maria Antonieta, a filha mais nova da rainha Maria Tereza da Áustria, casou-se muito cedo com Luís XVI para consolidar uma aliança política entre os países. Diziam que era mimada, fria e voluntariosa.

Teve dificuldades em se adaptar à rígida etiqueta da corte de Versalhes. A verdade é que Maria Antonieta, como muitas outras princesas e rainhas da época, pouco se importava com o que acontecia para além dos jardins dos palácios , das fofocas com suas damas de companhia e dos vestidos encomendados em Paris.

Quando da crise do pão, o povo atribuiu a ela a frase: “Se não têm pão, que comam brioches”. 
Em francês: “Qu'ils mangent de la brioche".  

A frase apareceu pela primeira vez num livro Confissões de Rousseau, escrito na década de 1760. Era dita por uma princesa, uma personagem do livro, quando confrontada com a dura realidade da vida dos camponeses.

A atribuição à Maria Antonieta veio, provavelmente, no calor dos acontecimentos da Revolução Francesa, quando uma série de panfletos anônimos a viam como a responsável pela ruína financeira da França por causa de seus gastos excessivos. Num deles, Maria Antonieta chegou a ser chamada de Madame Défict.  

Depois da revolução a (má) fama da rainha se espalhou por uma série de historiadores e analistas. No filme de Casanova e a Revolução (1982), de Etore Scola, Maria Anotnieta é retratada quando tentava fugir da França com o rei e alguns cortesãos.

Vestida de criada, ela para numa estalagem onde os camponeses os reconhecem, prendem todo mundo, e os mandam de volta para Paris. Humilhada, uma dama de companhia, diz: “O que aconteceu com os camponeses que há alguns anos nos olhavam com respeito e a cabeça baixa?”, o jogo havia virado.

A turba os encaminhou para Paris onde, pouco depois, foram decapitados e jogados numa vala comum. A história do brioche se tornou uma lenda. 

Edição: Leandro Melito