A mentira é ingrediente abundante na fórmula de muitos alimentos à disposição de adultos e crianças
A cadeia produtiva de boa parte dos alimentos industrializados é dramaticamente agressiva ao meio ambiente e à saúde das pessoas. Não precisava ser assim. O problema é o modelo adotado pelas multinacionais do setor, que focam no curto prazo e pouco se importam com os impactos decorrentes de suas atividades.
O resultado é que boa parte da oferta de alimentos não leva em conta questões ambientais ou de saúde. Pior ainda quando o assunto é garantia dos direitos humanos na base do processo produtivo. Nesse quesito, opera-se um crime contra a humanidade.
A indústria de alimentos ultraprocessados segue a mesma lógica do mercado de drogas. Algo assim: “Eu tenho para vender, você decide se vai comprar ou não, mas não me faça perguntas. Não me peça para escrever na embalagem o quanto isso te faz mal, pois prejudica o meu negócio.”
A mentira é ingrediente abundante na fórmula de muitos alimentos à disposição de adultos e crianças, sem aviso de que fazem muito mal.
Rotulagem
Altos níveis de sódio, açúcar, gordura e produtos químicos que fazem mal são ofertados sem que essas informações estejam claras nas embalagens. Os danos à saúde são deliberadamente omitidos, sem levar em conta os males causados às pessoas: obesidade, problemas cardíacos, diabetes e outras doenças.
Atualmente, a indústria opera com todo seu poder econômico para evitar que seja implantada a recente mudança decidida pela Anvisa em relação à rotulagem, com a indicação destacada dos altos teores de açúcar, sódio e gorduras saturadas. O modelo se assemelha ao que é defendido pela Opas (Organização Pan-americana de Saúde).
O que a indústria diz, na mesma lógica do mercado de drogas, é que advertir sobre os graves danos à saúde subestima o poder de decisão do consumidor. É de uma brutal hipocrisia, pois, ao mesmo tempo, a indústria investe bilhões de dólares em propaganda, ofertando os mesmos produtos, sem informar que fazem mal à saúde. Nessa lógica, supera até a indústria de drogas ilegais, pois essa, ao menos, não faz propaganda no intervalo da novela.
Em relação à Anvisa, apesar da decisão ter sido tomada, o jogo político e a pressão da indústria impedem a publicação da norma, que está suspensa por tempo indeterminado.
Quem compra tem direito de saber
Uma pesquisa Datafolha, encomendada pela ACT Promoção da Saúde, mostra que 78% dos brasileiros dizem que provavelmente ou com certeza reduziriam o consumo de refrigerantes e sucos de caixinha se houvesse alertas de excesso de açúcar nos rótulos. É um forte indicador de que o consumidor sabe o que quer, se preocupa com a saúde e não quer ser enganado.
Violação dos direitos humanos
Além de causar danos à saúde dos consumidores, as grandes multinacionais do setor de alimentos destroem o meio ambiente, exploram o trabalho infantil e mantém trabalhadores escravos na base da cadeia produtiva.
Para produzir soja, o Cerrado brasileiro está sendo dizimado pela Cargill, a maior empresa de capital fechado do mundo.
A Cargill é grande fornecedora de produtos para a maior empresa de alimentos do mundo, a Nestlé, que se beneficia do trabalho infantil em diversas cadeias produtivas, dentre elas a do cacau e a do café.
O caso Coca-Cola
O caso Coca-Cola é emblemático. Em 2018, a empresa chantageou o Brasil, ao anunciar que sairia do país caso não fossem mantidos subsídios fiscais para a fabricação de refrigerantes na Zona Franca de Manaus. Na base de ameaças, a empresa se aproveitou da fragilidade do governo Temer e ganhou a contenda.
O que poucos sabem é a forma como a Coca Cola fabrica refrigerantes na Amazônia. Além de chantagear para obter benefícios fiscais, a empresa compra açúcar de uma empresa envolvida em diversos crimes, a usina Jayoro, que invadiu ilegalmente terras públicas para plantar cana-de-açúcar e fornecer para a Coca-Cola.
O mesmo acontece com o guaraná fabricado pela Coca-Cola, que vem dessa mesma usina Jayoro, uma notória destruidora da Amazônia.
Muitas multinacionais do setor de alimentos escondem quem são seus fornecedores e não informam, no rótulo, os malefícios dos seus produtos. Já passou da hora dessas empresas agirem de forma transparente, ética e responsável. A lógica do mercado de drogas não cabe em um setor que alimenta as nossas crianças. Isso precisa mudar.
Edição: Leandro Melito