Indígenas guarani da Terra Indígena (TI) do Pico do Jaraguá entraram em um acordo com a Polícia Militar de São Paulo (PM-SP), na tarde da última terça-feira (10), e desocuparam a área da construtora Tenda Negócios Imobiliários, onde estavam desde o dia 30 de janeiro deste ano. Eles se mantém, no entanto, em frente ao terreno até que a Justiça Federal resolva o imbróglio judicial local.
Dias antes do início da ocupação, a construtora havia derrubado árvores nas imediações do Jaraguá, que congrega seis aldeias. O objetivo era começar a abrir espaço para construir o condomínio Jaraguá-Carinás, com cinco torres e 396 apartamentos, para cerca de 800 moradores, a poucos metros da aldeia Tekoa Ytu.
Esta é única das seis aldeias da região que está na fase final do processo de demarcação da terra indígena – as outras têm a originalidade indígena reconhecida por uma portaria interministerial.
Competência da Justiça Federal
Desde então, a instância estadual da Justiça vem passando por cima da jurisprudência federal sobre o caso, como afirma Gabriela Pires, advogada da Comissão Guarani Yvyrupa – representante legal do povo guarani.
A construtora ingressou com uma ação de reintegração de posse no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que, segundo Pires não tem competência para decidir sobre o processo. Ainda assim, a juíza do TJ-SP Maria Claudia Bedotti determinou a reintegração de forma imediata.
Segundo o artigo 109 da Constituição Federal, é competência dos juízes federais processar e julgar “a disputa sobre direitos indígenas”. Gabriela Pires informa que existem duas ações na Justiça Federal: uma para que a instância federal se reconheça como competente para julgar o caso e outra para que reconheça que houve desmatamento ilegal da Mata Atlântica naquela região, assim como violação de direitos indígenas.
“A Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Estado e o Ministério Público Federal entraram com duas ações na Justiça Federal, primeiro para que a justiça federal reconheça sua competência já que trata de direitos humanos, direito coletivo indígena e direito ambiental, e para afirmar que houve o manejo, ou seja, o desmatamento ilegal de espécies da Mata Atlântica que existem aqui nesse terreno”, afirma Pires.
A primeira ação, sobre a competência do processo, segue sem uma decisão judicial. Quanto ao desmatamento ilegal, a Justiça Federal proibiu que a construtora Tenda continue derrubando árvores no local. Na decisão, a juíza Tatiana Pattaro Pereira sustentou que a incorporadora não apresentou os documentos necessários para realizar obras no local.
Violação de terras indígenas
Por estar a menos de oito quilômetros de uma terra indígena, os responsáveis pelo empreendimento deveriam levar em conta o componente indígena no processo de licenciamento, como garante a Portaria Interministerial 60, de 2015.
A consulta prévia aos povos também é assegurada por normas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
A área também é protegida por ser considerada parte da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), desde 1994, abrigando um dos últimos pontos de Mata Atlântica da região.
De acordo com a própria Prefeitura Municipal de São Paulo, existe um Termo de Compromisso Ambiental firmado junto à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) que prevê ao todo a supressão de 528 exemplares arbóreos e a compensação ambiental com o plantio de 549 mudas no local.
Construtora
Em nota ao Brasil de Fato, a construtora Tenda afirmou que “todos os procedimentos necessários para a legalização do empreendimento foram adotados, cumpridos e aprovados por órgãos competentes”.
O Ministério Público Estadual juntou ao processo um lado que confirma que a região não poderia ter sido desmatada como foi. “A partir disso houve uma audiência de conciliação na Justiça Federal onde a própria Tenda se coloca para suspender qualquer atividade neste terreno até o dia 6 de maio” evidenciando, para Pires, a não urgência de reintegração de posse, como foi requerida pela juíza do TJ-SP.
Edição: Leandro Melito